Como a maior parte dos habitantes encarnados no planeta Terra, Soraya Thronicke não fazia ideia de que o início de sua vida adulta seria assim: enfadonha.
Mas Soraya sempre foi uma alma desatenta, não havia se dado conta, até então, de que boa parte da sua vida foi desperdiçada entre os mais diversos nós que o seu cérebro iludido e carente criava.
Início da vida adulta? Quando estar perto de se completar vinte e quatro anos de idade se tornou "início da vida adulta"? Isso só pode ser coisa dos anos futuros, da vida moderna.
— Já era pra eu estar casada... Ou ao menos, com um trabalho decente — a barista murmurou, em frente ao espelho do banheiro, arrastando a ponta dos dedos sobre os fios tingidos de loiro, acomodando-os, pela milésima vez, atrás das orelhas.
Às vezes, a geminiana sul-mato-grossense acreditava sentir vontade de morrer. Foi numa tarde de início de maio, do ano de 1997, enquanto observava todos os clientes dispersos pelo café, que se deu conta: não sentia vontade de partir desse plano, apenas tinha vontade de viver. Viver. De fato. Não apenas sobreviver. Mas, ok, não podia mentir para si mesma... A vontade de não existir também era, por diversos momentos, real.
Um cérebro estragado é o caminho para a perdição. Você pode ter tudo o que precisa para construir uma vida decente, mas se esse "tudo" não englobar uma cabeça sã... Quem tem um "porquê", supera todas as maldições, e quem tem depressão, se torna uma maldição em carne e osso.
— E falando em perdição... — mais uma vez, Soraya murmurou, dessa vez, quando avistou uma morena bonitona sentada em sua mesa favorita. A barista amava aquele lugar, por estar próximo à janela que tinha vista privilegiada para o parque mais bonito da cidade.
— Soraya?
Levou um susto ao ouvir sua gerente chamando seu nome, num tom não muito amigável. E é claro, exigindo que ela fosse atender justamente àquela mulher, daquela mesa específica.
— Por favor, não. — A súplica da loira saiu miúda e não foi ouvida, e de qualquer forma, dizem que o Universo não escuta a palavra "não", não é?
Soraya tentava, essa era sua sina: tentar. Estava sempre tentando se endireitar, melhorar, não chorar, surtar pouco... Fazia tudo mal e porcamente. Mas... tentava. O remédio tarja preta que havia engolido pouco depois de se levantar da cama só estava no início do efeito, então, ela se viu no ímpeto de bebericar um tantinho da vodka escondida no bolso do avental.
Temos que escolher nossas batalhas. Ou não. Soraya não estava a fim de lutar. Queria logo ser jogada entre os lobos e ser devorada. Ela não aguentava mais.
— Bom dia! — ela cumprimentou, cheia de coragem simulada pelas substâncias que nos tiram a vitalidade a longo prazo (coisa que não faz diferença quando a vitalidade nem sequer já existiu em você), e completou com o restante do que o um funcionário de um café requintado diz. As palavras saiam sempre no automático. Escorriam pelos lábios machucados.
— Não sei o que o meu marido vai querer.
Apesar de Soraya ter anotado todo o pedido — que consistia em um simples matcha quente —, a última frase foi a única que ela, de fato, ouviu. E não é como se alguma coisa importasse. Só existia a vontade de não estar ali, ou de se entorpecer. No entanto, a loira acabou por resguardar cerca de quinze segundos para admirar a bela mulher que encarava a vista à fora. O olhar carregado lhe causou interesse. Era triste. No geral, mulheres assim não chamavam a atenção da geminiana, afinal, ela buscava alguém que fosse o seu oposto, e não a sua cópia.
Como eu sou narcisista!, Soraya se reprimiu, quando se deu conta de que não conseguia nem prestar atenção numa outra pessoa sem emaranhá-la em suas loucuras.
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The Other Woman - Simone e Soraya
Romance+18. A outra mulher; a outra história. Contos aleatórios, baseados em músicas ou não, sobre Simone e Soraya. Tudo fanfic, nada de compromisso com a realidade.