Snow Cai Como a Neve / A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes

A Decisão

Coriolanus deu uma pausa antes de fazer sua revelação: ele partiria ao Distrito 2 na manhã seguinte. Sem as armas do crime para condena-lo, nã0 havia nada em seu caminho, e ele não poderia deixar que Lucy Gray fosse um empecilho na sua suada jornada para a glória. Seus últimos anos foram dedicados a isso, e ele não jogaria tudo fora por uma garota que acabara de conhecer. Ele a amava? Sim. Talvez. A pergunta ecoava em sua cabeça, mas no fundo sabia que não abriria mão dessa oportunidade por ela, nem por ninguém. Então, ele disse:
- Eu fui aprovado para o Treinamento de Oficiais no Distrito 2. É uma grande chance para retornar à Capital.
- Por que você não me disse isso antes? - Retrucou Lucy Gray.
Ele pausou. Não disse pois não era uma opção até então, pensou.
- Eu... - Ele respirou fundo, e continuou - Eu não poderia te deixar sozinha nessa situação. A qualquer momento nós poderíamos ser incriminados por estas armas, mas agora não mais.
- Mas agora você pode me deixar? - Lucy Gray disparou quase instantaneamente. Ela estava visivelmente em choque, como se estivesse vendo uma pessoa diferente em sua frente. Coriolanus reparou em sua expressão, então colocou o fuzil de volta no pano, enrolou, e retirou todas as armas do assoalho, revelando três varas de pesca e alguns tocos de madeira. Então, se levantou, e segurou as mãos de Lucy Gray, que relutou para aceitar o gesto.
- Não quero te deixar. Quero buscar uma oportunidade para nos reerguermos.
-  Então vá. - Ela disse rispidamente. Ele a encarou, como se não tivesse entendido o que ela disse. - Sim, Coriolanus, vá ao Distrito 2. Se torne um oficial. Retorne à Capital. Eu sei o que você está pensando, não sou ingênua. "Por quê desperdiçar minha chance por uma garota que mal conheço", não é isso que você está pensando? - Ela retirou as mãos, e Coriolanus ficou com as duas mãos esticadas por alguns segundos, na esperança de que ela reconsiderasse um pouco do carinho.
- Não estou pensando isso. - Sim, estou pensando nisso, pensou. - Lucy Gray, sem as armas do crime em nossos caminhos, podemos atingir objetivos maiores. Não precisamos correr, podemos continuar aqui. Posso te levar à Capital, posso te dar uma vida melhor. - Coriolanus estava prometendo algo que ele não tinha certeza que poderia cumprir, afinal, nem ele sabia se um dia retornaria à Capital, mas foi a melhor forma que ele encontrou de amenizar a situação com a sua amada. Ele também se lembrou de que, apesar das armas estarem em segurança, ainda havia uma ponta solta nessa história: Lucy Gray. Ele não poderia chateá-la, não poderia deixar com que ela o odiasse.
- Coriolanus, você está me propondo uma vida com as pessoas que assassinaram o meu pai. Que me condenaram à morte há poucos meses atrás. - Lucy Gray disse as palavras com um grande pesar no peito. - Jamais poderia fazer parte disso.
- Nem todas as pessoas da Capital são assim. - Retrucou Coryo, dessa vez, seco. Não posso começar outra briga sobre esse assunto com ela. Tenho que convencê-la, pensou. Então, ele elaborou - Muitas são como eu, como minha irmã. Como Sejanus. - Ele forçou uma emoção na voz ao citar o nome do amigo. - A morte dele não pode ter sido em vão. Na verdade, ele que me avisou da prova para oficial, ele me incentivou a estudar. Não quero ir para o Distrito 2 pensando em como você está, ou pior, se está viva ou não. E talvez não poderemos ir à Capital, mas sim viver uma boa vida no Distrito. Ainda é uma boa opção. - Ele também tentou se autoconvencer com essa possibilidade.
Lucy Gray parou por alguns segundos para analisar o que Coriolanus disse. Então, ela falou:
-  Eu aceito sua ajuda se você puder levar o Bando comigo.
Coriolanus sabia que seria impossível. Ele não tinha certeza nem se ele, filho de Crassus Snow, conseguiria a redenção da Capital, quem dirá a aceitação de cinco caipiras que sabiam fazer música. - Farei o possível. - Disse ele.
- Ok. Como farei para saber que o nosso plano está dando certo? E como farei para não ser morta pelo prefeito até lá? - Disse Lucy Gray.
- Consigo me comunicar com o Poste pelo rádio interno entre as bases. Por uma quantia generosa, posso pedir para que ele verifique sua casa diariamente, para garantir sua segurança. Quando eu conseguir passar pelo Treinamento de Oficiais, terei mais liberdade, e arranjarei um trem para te levar para lá. - Coriolanus disparou o plano tão rápido que parecia ter o planejado por semanas. Talvez, subconscientemente, ele tivera planejado.
- Parece bom. - Disse Lucy Gray, assentindo com a cabeça. - Olha, sei que fui ríspida com você, mas compreendo o seu lado. A Capital é a sua casa. Eu também faria de tudo para me sentir em casa novamente.
Coriolanus assentiu com a cabeça de volta, com apreciação pelas palavras de Lucy Gray. A verdade é que, se o plano desse certo, ele poderia ter o melhor dos dois mundos: estaria mais perto de retornar à Capital, seu verdadeiro lar, e poderia fazê-lo do lado de sua Garota. Ele tinha certeza que, eventualmente, ele conseguirá convence-la de que aceitar a vida na Capital é a melhor opção. Ela cederá.
A tempestade passou lá fora, e um céu nublado se forma. Apesar da grama ainda estar molhada, Coriolanus decide recolher as armas para descartá-las dentro do lago. Ele amarra um cordame que estava no píer do lago, junto com algumas pedras que estavam nas margens do lado, assegurando que o objeto fique pesado o suficiente para não boiar. Ancorado ao píer, há uma canoa com espaço para duas pessoas. Ele coloca as armas na canoa, embarca, rema até o meio do lago e as descarta na parte mais funda que encontrara. Então, ele retorna a margem do lago, e amarra a canoa. Ele vira de volta para ao lago e solta um longo suspiro de alívio. No fundo de sua garganta, ele consegue sentir o gosto da pequena vitória, das coisas tomando novamente o seu devido curso. Ele poderá desfrutar da oportunidade que o fará estar em destaque novamente, como um verdadeiro Snow deve ficar.
Snow cai como a neve, sempre por cima de tudo.