Rotina

413 55 95
                                    

Tão fofo...

Sandro nem havia percebido que adormeceu, tanto que acordou claramente confuso, abriu os olhos lentamente se encontrando no próprio quarto, havia alguém deitado ao seu lado, não precisou tatear o lençol para saber quem era, porém pequeno sorriso que havia aparecido em seus lábios sumiu imediatamente, assim que notou que Ricardo tinha seu telefone em mãos.

O instinto imediato do paulista foi pular sobre ele, tentando o imobilizar de alguma forma, isso fez o celular cair no chão com a tela para cima enquanto o carioca o encarava assustado.
O coração de Sandro batia forte, e se pegou entrando em desespero.

Ele chamou ajuda? Ele com certeza chamou. Foi a polícia? O que deveria fazer agora? Precisava se matar, mas se mataria agora? Onde estavam as luvas? E a faca? Talvez se mudasse de localização agora não seriam encontrados-

— Porra eu tava quase terminando...— Ricardo murmurou, e antes que o paulista pudesse o questionar sobre o que ele quis dizer, ouviu um som vindo do celular. Ao olhar para o tal, viu a tela toda colorida com as palavras "Sem movimentos" na tela.

— O que...?

— ... eu fiquei entediado. Baixei Candy Crush...— Murmurou. O rosto de Sandro tinha uma expressão confusa, ficou ao menos uns vinte segundos encarando o maior, perplexo.

— Por que... por que você não pediu ajuda?

O carioca coçou a nuca e disse:
— Sendo bem sincero... eu pensei em chamar ajuda, mas até que não é tão ruim. Meu maior problema sempre foi dinheiro... então se eu puder continuar falando com a minha família-

— Eu te amo.— Sandro soltou, tentando não se mostrar empolgado demais... o que claramente não estava conseguindo esconder bem.— Eu te amo... tanto...

— Ehm... Sampa-

— Eu vou passar o restante dos meus dias fazendo você se apaixonar por mim também.— Continuou, confiante no que dizia.— Eu sei que você já gosta de mim. É um começo.

Renan sentiu pena. Estava tão desesperado pela afeição alheia, que mal conseguia perceber que o que estava dizendo era uma das coisas mais tristes que já ouviu. Não conseguiu evitar de colocar a destra na cabeça dele, fazendo um carinho desengonçado que apenas bagunçou o cabelo do menor. 

— Para com isso.— Disse simples, se levantando para pegar o celular.

— Para onde você vai?!— O paulista perguntou meio afoito, agarrando o braço de Ricardo com força.

— Calma mano, eu só vou pegar o celular.— O assegurou. Sandro sentiu o rosto queimar um pouco de vergonha.— Aliás, já são tipo... três e pouco-

— Ah! Puta merda, você deve tá morrendo de fome. Eu vou fazer alguma coisa, já volto!— E antes mesmo que  Ricardo pudesse dizer qualquer coisa, o paulista disparou pela porta o fechando de volta no quarto. O homem bufou, se sentando novamente na cama. Sorte que a tela do celular não havia quebrado, definitivamente não tinha dinheiro para concertar o pobre velho aparelho.
Chegou a pensar por um segundo, será que Sandro compraria um celular novo para ele? Apesar de a resposta ser um óbvio "sim", não conseguia se acostumar muito bem com aquela mordomia, era estranho poder ter as coisas tão de graça assim, sem esforço... sua vida nunca foi muito fácil. Ás vezes era legal fingir, mas a realidade era que, sendo pobre e preto, morador da periferia, claramente não hetero no mundo em que vivia, não o ajudaria em nada, o oposto na verdade. 

Não pôde divagar por muito mais tempo, visto que sentiu um cheiro de queimado vindo da cozinha, ergueu o olhar apenas para ver um paulista muito envergonhado passando pela porta com um prato em mãos. Ao olhar para o que estava ali, tudo o que Renan conseguiu pensar foi em uma oração pela pobre da vaca que precisou morrer para virar churrasco carbonizado. 

Trem das onze - SPXRJOnde histórias criam vida. Descubra agora