01- The flames of freedom

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Naquela noite o silêncio era quebrado apenas pelo som suave do vento batendo nas janelas. No meu quarto, um ambiente com cores claras que transmitiam tranquilidade, uma magnífica prisão disfarçada de lar. Meus pensamentos estavam apenas no meu plano cuidadosamente elaborado para me libertar daquele inferno

Esperei pacientemente por meses, estudando cada movimento dos meus pais, era daquela forma que meus demônios gostavam de ser chamados. Tudo estava pronto e nada poderia dar errado. O relógio marcava meia-noite quando me levantei da cama, movendo-me com a leveza de uma pena

Cada passo era medido para não despertar os monstros que dormiam no quarto ao lado. No porão, atrás de objetos esquecidos, estavam meus materiais: um galão de gasolina, garrafas de álcool e uma caixa de fósforos.

Com passos leves, caminhei pela casa. O cheiro acre da gasolina enchia o ar enquanto eu espalhava o líquido inflamável nos pontos estratégicos que havia identificado: a cozinha, a sala de estar, e perto do quarto dos meus pais. Certifiquei-me de cobrir as saídas, garantindo que o fogo se espalhasse rápido e deixasse poucas chances de fuga.

Pensei diversas vezes se aquela era a decisão certa, eram tantos questionamentos sem respostas, que cogitei colocar fogo em mim mesma e não em meus pais. Mas lembrei que durante minha vida toda eu ouvi mais gritos dos meus pais, do que palavras de amor

Eu juro a você, caro leitor, morrer talvez seja a parte menos dolorosa da vida

De volta ao meu quarto, peguei as garrafas de álcool e os fósforos. Meu coração batia acelerado, mas meus movimentos eram decididos. Derramei o álcool no chão da cozinha, criando um rastro que levava até o quarto dos meus pais. Com um estalo, risquei o primeiro fósforo. A chama pequena e tímida refletiu-se em meus olhos antes de ser lançada ao chão.

O fogo começou pequeno, mas rapidamente ganhou vida, consumindo o álcool e a gasolina com uma voracidade insaciável. Observei por um breve momento, hipnotizada pelas chamas que dançavam. Então, lembrando-me do meu plano, corri para a janela do meu quarto, já destrancada.

A fumaça começava a invadir o meu quarto quando escalei para fora. Desci pela árvore próxima com agilidade, sentindo a adrenalina pulsar em minhas veias. Meus pés tocaram o chão frio do lado de fora, e corri, deixando para trás o inferno que havia criado.

Chegando a casa dos vizinhos, bati freneticamente na porta, gritando por ajuda. Quando a porta foi aberta, fingi pânico, chorando descontroladamente com a respiração ofegante

— A casa... está pegando fogo! Meus pais... eles estão lá dentro! — Consegui dizer entre soluços, caindo de joelhos

Quando os bombeiros finalmente controlaram o incêndio, a casa estava reduzida a cinzas. A investigação concluiu que o incêndio foi um trágico acidente. Ninguém suspeitou da garota de 15 anos que parecia tão devastada pela perda. Eu  estava livre daquele inferno. Mas sentia que eu seria a pessoa mais imunda e menos merecedora da vida por um bom tempo

— 9 years later —

Depois de quatro anos em Londres, eu estava de volta à Alemanha. O avião pousou suavemente no aeroporto de Frankfurt, mas meu coração estava longe de estar tranquilo. Enquanto esperava minhas malas na esteira, minha mente viajava por memórias enterradas que ressurgiam com força total.

Aos 20 anos, deixei tudo para trás, fugindo para Londres na esperança de recomeçar. Queria esquecer a noite em que minha vida mudou para sempre, a noite em que me libertei do inferno em que vivia. Londres me ofereceu uma nova identidade, novas oportunidades, e eu abracei tudo com avidez. Mas agora, aos 24, algo me trouxe de volta. Talvez fosse a necessidade de encarar meu passado de frente ou o desejo de encontrar uma paz que nunca conheci.

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