O Quarto de Hotel

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Aquele momento parecia uma eternidade. O elevador do refinado hotel se movia com suavidade e uma música acolhedora tocava lentamente, mas Uivo não conseguia ouvir. Seus pensamentos eram um amontoado confuso de lembranças, sons, vozes e detalhes que lhe passaram despercebidos até então.

Pela primeira vez não sentia alegria ou ansiedade ao se dirigir ao seu encontro. Desta vez sentia um enorme peso no peito, uma tristeza que se misturava ao temor causado pela incerteza. Achou que a morte do seu companheiro de matilha mais chegado já fora o pior golpe que poderia receber, no entanto — aparentemente — estava equivocada.

A traição de Pata-do-Leste ceifou a vida de Max e tirou o véu de ingenuidade que cobria seus olhos juvenis. Como pôde confiar tão cegamente em pessoas que mal conhecia? Ou acreditar que a Wyrm não usaria de artimanhas tão sujas para corromper e destruir? Nem perceber todos os sinais? A sua matilha errou com Pata-do-Leste, mas seu erro veio muito antes.

Fora tão tola e irresponsável — talvez até ingênua — ao embarcar numa aventura pautada no pecado por um desejo incontrolável. Pior, persistiu no erro acreditando que existia um sentimento muito maior envolvido. Esteve cega de paixão e agora podia ver que Gaia iria cobrar muito caro pela ofensa.

Todos os problemas enfrentados pela Ira do Furacão sugeriam um suspeito ardiloso comandando das sombras. Depois de tanto tempo, percebeu que todos os indícios apontavam para outra pessoa que não somente o Mestre de Rituais do Destino de Gaia, como desconfiaram à princípio.

Apontavam ainda mais para o homem que em poucos segundos iria recebê-la naquele quarto de hotel.

O elevador emitiu um leve apito avisando que chegara ao andar solicitado e as portas deslizaram para lhe mostrar um corredor bonito e bem cuidado. Andou devagar para que tivesse tempo de respirar fundo e agir o mais natural possível, ele não podia notar que estava desconfiada.

Não pôde pedir proteção à Gaia nem avisar aos seus irmãos de matilha. Nem ao menos tinha certeza de que voltaria viva para o caern — estava completamente sozinha naquele momento.

A porta se encontrava apenas encostada, não seria necessário bater; portanto, entrou de uma vez. O quarto era bastante espaçoso, o hall de entrada levava a uma sala de visitas pequena e, logo mais à frente, podia ver uma cama larga arrumada com lençóis de algodão e seda. Um vão defronte à cama exibia um pequeno e simplório escritório onde o seu ocupante a aguardava, rabiscando num papel.

Levantou-se e sorriu feliz ao vê-la. O nó que sentia na garganta estava tão apertado que não pôde dizer uma palavra ou esboçar qualquer reação natural ao olhá-lo pessoalmente depois de tantos meses separados. Se ele percebeu sua tensão, disfarçou muito bem ocupando-se em pegar uma caixa adornada com um laço cuidadoso.

— Que bom que você veio! Eu descobri esses chocolates caseiros no caminho para cá e pensei que você poderia gostar. O recheio é feito com licor.

Lirion lhe oferecia a caixa, entusiasmado.

Como poderia aquele sorriso tão terno ser falso? Como poderia aquele brilho em seus olhos ser uma grande mentira?

Não sabia mais em que acreditar.

A dúvida corroía seu coração como ácido derretendo a carne aos poucos — melhor seria se a certeza, por mais dura e fria que fosse, a machucasse de uma só vez, assim talvez sofresse menos.

Incapaz de proferir nem uma palavra sequer, adiantou-se em sua direção. Ignorando o objeto em sua mão, o abraçou com força — e com certo alívio, afinal, poderia enterrar o rosto em seu pescoço e esconder-se momentaneamente de seus olhos sagazes. Precisava de um pouco mais de determinação para não deixar transparecer sua estranheza, e o calor daquele corpo lhe ajudava a querer deixar os problemas de lado.

Contos de Amor e Fúria - O Conselheiro do Ancião Onde histórias criam vida. Descubra agora