Epílogo - A Dor do Reino

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— Ei, Lily! Não corra aqui. Este é um lugar sagrado. Já conversamos sobre isso — Apesar da repreensão, Uivo-da-Montanha mantinha o tom de voz suave.

A menininha diminuiu o passo, mas fez questão de manter-se à frente, com o andar desajeitado de quem ainda não tem total equilíbrio num chão inclinado, ansiosa para chegar ao destino. Sua pequena trança acobreada balançava feito um pêndulo conforme os pés pequenos davam passinhos curtos e, vez ou outra, as palmas das mãos tocavam o solo quando errava o ritmo e tropeçava, arrancando risadinhas de Uivo.

— Você sabe o caminho?

— Sei — Respondeu de pronto, sem olhar para trás.

A mulher observou como a pequena seguia confiante pela mesma trilha que já percorreram em outras ocasiões anteriores, quando era ainda mais nova. Não demorou para que a menina parasse diante de uma pedra e apontasse para algo que a Fianna ainda não via, mas sabia o que era.

— Aqui, mamãe. Lílio.

Uivo-da-Montanha sorriu com seu jeito infantil de falar. Aproximou-se e, com surpresa, notou que a haste do belíssimo lírio-branco que havia plantado no solo produzira mais flores e ganhara altura.

— Isso, lírio. Está bonita, não está? — A garotinha concordou, enquanto a mulher sentava-se ao chão e inspirava profundamente o ar. — Ah, que cheiro bom! Consegue sentir? Chegue mais perto, com cuidado para não as machucar.

Lily só precisou flexionar levemente os joelhos para aproximar o rosto da flor. Porém, não calculou bem a distância e uma das anteras, cheia de grãos de pólen, foi parar dentro do seu nariz.

Por reflexo, afastou-se desajeitada e deu três fortes espirros, enquanto a mãe ria e tentava ajudá-la a livrar-se da coceira com a barra da blusa. Por fim, a menina também se divertiu com a situação.

— Obrigada, com a sua ajuda essa grama vai se encher de flores!

— Não há de quê! — Respondeu, inocente, sem captar a brincadeira da mulher.

Uivo-da-Montanha não resistiu ao brilho nos grandes olhos azuis-acinzentados que a pequena herdara de si e puxou-a para seus braços, despejando-lhe beijinhos e mordidas leves nas bochechas rechonchudas, fazendo-a gargalhar.

— Sua espertinha! Agora me ajude a tirar essas ervas-daninhas.

Passaram algum tempo arrancando e limpando em volta da planta e da pedra, enquanto a menina a bombardeava de perguntas sobre para quê servem as ervas-daninhas, porque a flor fez seu nariz coçar, porque elas têm cheiro e tudo o mais que sua curiosidade permitia.

— O que é? — Apontou para as marcas entalhadas na pedra.

— Inscrições, tanto no nosso alfabeto quanto em runas.

— E isso? — Apontou para uma linha bem ao centro.

— Um nome.

— Qual?

— Lirion O'Hurn.

— Como a flor?

— Quase. Não sei se o nome dele foi por causa disso, mas, como é parecido e representa lealdade, resolvi plantar o lírio-branco aqui. Já o seu nome é como a flor. Na língua do lugar onde nasci, lily quer dizer lírio.

A garotinha parou um pouco para pensar.

— É o helói da sua histólia?

Uivo estava mais orgulhosa do que surpresa com a boa memória da filha. Já havia contado centenas de histórias para sua ouvinte mais assídua e, ao que parecia, ela conseguia distinguir várias delas mesmo com tão pouca idade.

Contos de Amor e Fúria - O Conselheiro do Ancião Onde histórias criam vida. Descubra agora