A Cabana de Madeira

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Não era muito tarde quando deu três batidas leves, porém decididas, na sólida porta de madeira. Reunira uma grande dose de coragem para chegar até ali, mas ouvir aqueles passos em sua direção a faziam questionar-se daquela ideia.

Tudo o que queria lhe dizer se embaralhava em sua mente, todavia, era tarde demais para voltar. A porta se abriu e olhos azuis-cristalinos a fitaram da soleira. Esperava uma expressão de surpresa, ou até mesmo a leve satisfação de mais cedo quando voltara ao Destino de Gaia, mas o que recebeu foi uma certa desconfiança.

— Boa noite, Uivo. Em que posso lhe ajudar?

Engoliu em seco com aquele tom polido e instintivamente olhou ao redor. Sim, estavam sozinhos. No entanto, sabia muito bem o motivo pelo qual Lirion mantinha tal distância.

— Podemos conversar?

Os segundos que ele levou para decidir, enquanto a encarava, lhe causaram angústia. Suspeitou que aquela conversa seria mais difícil do que imaginara.

— Sim, entre.

Finalmente deu espaço para passar e entrar em sua cabana. Notou que era pequena, com apenas três cômodos. Dali via uma sala com uma espécie de cozinha rústica ao fundo, logo em frente à entrada. Uma porta fechada, que provavelmente abrigava o banheiro, se encontrava entre a cozinha e um vão diagonal na parede à direita, onde um tecido branco e fino pendia do alizar e dava um pouco de privacidade ao que devia ser o quarto.

Uivo não disfarçou seus olhos percorrendo o local. A encantava o quanto era bem arrumado e de bom gosto. Móveis de madeira rudimentar, estofados cobertos por linho cru, uma quantidade razoável de livros na estante... tudo banhado com a luz amarelada dos lampiões. Pendurados nos cantos e em cima da mesa de jantar, davam um ar muito aconchegante à cabana. Até mesmo os pertences jogados aqui e ali lhes davam vida e charme.

Notou o quanto aquele ambiente refletia o dono: simples, bonito e acolhedor.

Contudo, o que mais lhe chamou a atenção foram os aleatórios e curiosos objetos que enfeitavam as paredes, as mesinhas de canto e a estante. Não seguiam a mesma linha rústica e sóbria dos móveis, pelo contrário: tinham cores, formatos e tamanhos diferentes entre si, como uma miscelânea de museu.

Sorriu com a chance de conhecer algo tão íntimo do conselheiro quanto seu lar.

— Pelo visto, está aprovada — A voz masculina soou divertida da cozinha.

Uivo não percebeu quando o homem passou por ela, tampouco que a olhava com atenção.

— O quê?

— Minha decoração.

Sentiu-se desconcertada pela visão de Lirion encostado displicentemente na pia, os braços cruzados na frente do corpo e um singelo sorriso de canto, deixando-a destrinchar a privacidade da sua casa com olhos curiosos.

— Ah, claro. É muito bonita. Esses itens são de recordações?

— Sim. Lembranças de lugares e culturas que conheci, viagens que fiz, essas coisas. Vê a pedra retorcida ao seu lado? É lava solidificada, coletei após uma erupção do vulcão Kilauea quando estive em missão no Havaí. Já este instrumento atrás de você, na parede, é uma Kora; ganhei de um Parente quando passei um tempo numa seita africana, na minha época de Fostern. Fomos amigos por um bom tempo.

— Foram? Não são mais?

— Ele morreu há quatro anos, mais ou menos. Num ataque de fomori.

— Eu sinto muito...

Uma pontada de culpa sufocou sua garganta e fez seus olhos baixarem.

Cerca de cinco anos se passaram desde que trocaram aquele único beijo e o abandonara sem mais explicações. Uivo conhecia a dor de perder um amigo e ter o apoio das pessoas que ama foi o que a ajudou a se reerguer. No entanto, não estava aqui quando ele precisou, nem mesmo por amizade.

Contos de Amor e Fúria - O Conselheiro do Ancião Onde histórias criam vida. Descubra agora