I- Artigo 157

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Por todos os dias, desde que decidi tentar a sorte nas ruas, minhas noites foram as mesmas e as situações que me levaram para àquele lugar me atormentaram incansavelmente em forma de pesadelos.

— Katarina, levanta! Alexia precisa de vocês agora e mandou reunir todo mundo.

Eu provavelmente estava no galpão mais velho de Caçapava quando o meu pesadelo e meu sono foram interrompidos por um chute na sola do pé, que me fez perder o ar ao acordar.

— Que horas são? O meu turno só começa à meia-noite. — Esfreguei os olhos, confusa, na esperança de que minha visão clareasse o suficiente para me explicar o que meus ouvidos não haviam entendido direito.

O cansaço entregava que eu não havia dormido o suficiente, e a baixa iluminação indicava que ainda não havia amanhecido, era impossível eu ter perdido o horário.

— Não quero saber, ordens são ordens, levanta! — Senti todos os olhares em mim quando os braços pálidos e musculosos do Erick puxaram o pano fino que me cobria. — Agora!

— Erick! — Ouvi sua voz chamar a atenção para si enquanto sua silhueta saía das sombras. — O que está fazendo aqui? Te disse que eu mesma falaria com eles. — Sua irritação era nítida. — Se eu ver você fazendo algo assim de novo, me certificarei de que será a última vez!

Alexia era o tipo de mulher que poderia facilmente enganar alguém com a sua aparência meiga. Seus cabelos ruivos e os olhos pretos como a noite formavam o contraste perfeito em sua pele clara. Ela parecia um anjo para qualquer um que não a conhecesse, mas para aqueles que conviviam com ela todos os dias, ficava claro que era o oposto. A postura que ela portava era inconfundível, tratava-se da chefe, e ela fazia questão de que todos ali entendessem isso muito bem.

Erick, por sua vez, parecia ser um homem intolerante e de pavio curto, e realmente era. Mas também foi contra as aparências, e não respondeu à bronca da chefe, apenas se afastou e agiu como se não soubesse do que ela estava falando.

— São 22:00 horas, tive que adiantar o trabalho — ela se aproximou de mim e respondeu baixinho à pergunta que eu havia feito, depois disse para que todos no dormitório pudessem ouvir:
— Tivemos que mudar o plano porque descobrimos que os seguranças vão reforçar o lugar na madrugada, então vocês precisarão fazer o trabalho bem rápido e com muito cuidado. Agora, há apenas dois tomando conta do lugar, mas por volta das 01:00h mais três irão aparecer, por isso vocês partirão mais cedo e terão que ter mais cuidado.

Aquela cena foi extremamente incomum. Alexia não costumava entrar em nosso dormitório para nada. Em vez disso, as reuniões eram feitas no salão de entrada. Todos estávamos visivelmente desconfortáveis com a invasão do lugar que antes era exclusivamente nosso, mas ela não se importou e continuou a narrar o plano.

— Para que tudo saia perfeito, vocês não podem estar lá quando aqueles três seguranças chegarem. Não haverá tempo para erros, então sejam cuidadosos, não sabemos se vamos conseguir recuperar vocês caso sejam pegos. — Enfatizou a última frase antes de continuar — E apesar de mudarmos o horário, o plano de ação continua o mesmo, então vão se preparar porque a van chega às 22:30h.

No geral, o nosso trabalho não era tão complicado, dependia apenas da nossa habilidade e um pouco de sorte, claro.

Alexia gostava de dizer que um bom resultado era consequência de um bom planejamento. "Nós criamos a nossa sorte, por isso temos que pensar até nas coisas que podem dar errado, e no que podemos fazer para resolver.", ela dizia. Mas quando se tratava dos trabalhos fora da rua, tudo mudava. O nosso poder de escolha era perdido, e nossas ações tinham um "quando" e "como" para acontecerem. Tudo era mais complicado, e a pressão que era colocada sobre nós tornava tudo ainda mais difícil e, por mais que a chefe negasse, a sorte era algo essencial.

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