II- Solidão

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Ao deixar para trás todo o caos que se formava, encarei o silêncio e a paz do vestiário, me lembrei de uma vida em que minhas preocupações eram outras, e por mais que enfrentasse problemas em casa, ao menos tinha minha mãe e irmã comigo, longe de um mundo em que eu assaltava pessoas e presenciava assassinatos. Senti saudades daquela vida, que mesmo com as dificuldades que passávamos, era bem melhor que esse inferno que estava vivendo.

Me olhei no único espelho que tinha ali, vi vermelho, o vermelho de minha roupa e pele. Senti um arrepio percorrer meu corpo e meus olhos marejaram ao olhar o meu reflexo, já não me reconhecia, não sabia quem era aquela pessoa em minha frente, e por um momento pude imaginar a minha mãe me vendo naquele estado, coberta pelo sangue de outra pessoa, se estivesse aqui, ela certamente me olharia do mesmo jeito que eu mesma me olhava, com repulsa, desprezo.

Eu cedi, meus olhos úmidos já não eram capazes de enxergar mais nada além de um borrão, não conseguia conter as lágrimas enquanto pensava que estava sozinha, que abandonei meu lar para me juntar àquelas pessoas e seus planos absurdos. Me culpei, é claro que eu era culpada! Sempre estive ciente de que corria riscos e que poderia acabar fazendo ou presenciando coisas que não gostasse. Quando aceitei o trabalho, fui alertada todos os dias sobre onde estava me metendo, durante uma semana. Como pude ser tão ingênua ao pensar que algo ruim nunca aconteceria comigo?

Me lembrei do primeiro furto e do primeiro roubo que fiz depois de passar pelo treinamento do Erick e da Alexia, não tinha como não me sentir suja. Parecia que cada coisa de errado que fiz estava voltando para mim, de uma só vez, como um castigo perfeito, e eu merecia.

Meus batimentos aceleraram e senti uma dor que nunca havia sentido antes, e quase como um instinto, levei as mãos ao peito, como se elas fossem impedir que meu coração saísse do lugar. Encarei pelo espelho o borrão dos meus próprios olhos e decidi que não ficaria ali parada nem por mais um minuto, andei alguns passos, o suficiente para alcançar minha toalha em meu armário e pegar algumas roupas limpas, e então corri para a cabine do chuveiro.

A água quente do chuveiro atingiu minha pele, e eu a deixei correr sobre mim, como se pudesse lavar a culpa e o arrependimento que me consumiam. As lágrimas se misturaram com a água enquanto eu esfregava cada parte do meu corpo, a visão, mesmo embaçada, me permitiu ver o sangue se desprender da minha pele e descer pelo ralo, desejei que toda a minha angústia descesse por ele também.

Quando senti que minha mente e meu corpo estavam limpos o suficiente, saí debaixo do chuveiro e pela primeira vez não me senti mal, mas também não estava pronta para que aquela sensação passasse. Tive medo de que quando eu saísse dali tudo viesse a tona e toda a dor voltasse, não queria que os olhares me quebrassem outra vez, então me enxuguei o mais devagar possível e quando meu cabelo estava quase seco, me vesti e desejei que não encontrasse ninguém no caminho para o dormitório.

Não queria falar ou olhar para ninguém, e sabia que o melhor jeito de fazer aquilo era dormindo, ou pelo menos fingir, e quem sabe quando acordasse, tudo não estivesse melhor. Parecia bom, mas para sair dali eu precisaria caminhar por alguns metros até chegar ao dormitório, sem que ninguém me percebesse. O único problema era que entre o dormitório e o vestiário, ficava o escritório da Alexia, e se ela estivesse lá, seria quase impossível não me ver, mas eu não poderia ficar ali para sempre.

Andei alguns metros até voltar ao corredor, e a partir dali caminhei mais devagar, tentando fazer com que meus passos fossem silenciosos. Eu já estava perto do escritório quando escutei.

— Tem certeza de que isso foi tudo? — Era a voz da Alexia.

— Claro.

— Pela reação dela, eu não diria que foi só isso que aconteceu.

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