Véu e grinalda

6 0 0
                                    

🦇

— Você precisa ver o vestido, é lindo. Escolhemos um salão chique, toda a família dele estará presente, Maggie aceitou ser a minha dama de honra. - Não atrapalhei Marie uma única vez se quer, estou escutando o seu falatório há tempo demais e ela não parece se cansar. — James mandou lembranças. - Ela se lembra em meio as palavras atropeladas, reviro a órbita dos meus olhos e suspiro.

— A data já está marcada? - Questiono, como se me importasse, dando abertura para que ela se afunde novamente em um monólogo entediante, estou deitada na borda da minha janela, com os tornozelos cruzados para cima, encostados na parede e a cabeça pendendo para o chão, enxergo todos os móveis invertidos desse ângulo, o fluxo intenso de sangue pulsa pelo meu rosto.

— No começo de junho, logo após o seu aniversário. Não é uma maravilha? Você vai estar de férias, poderá participar da cerimônia e ficar conosco por alguns dias. - Aperto os olhos, giro o meu corpo na superfície acolchoada e me sento de frente para à janela embaçada, devido à chuva intensa que escorre pelo telhado.

— Seattle fica muito distante de Duluth. - Não é uma justificativa tão boa, mas é adequeada, mesmo que fosse em Port Angeles, eu duvido muito da minha presença confirmada no casório dos pombinhos. Os comentários indelicados de James ecoam na minha mente quando resgato o seu rosto em minhas lembranças, os traços fortes, cabelos grisalhos e cavanhaque me dão arrepios. — Além do mais, eu acabei de chegar, ainda estou me adaptando. - Argumento um pouco mais, me encostando na parede de madeira, a chuva fica mais forte lá fora, a temperatura baixa me faz tremelicar dentro do pijama.

— Talvez você não precise se adaptar, sabe que pode voltar para cá quando quiser, sei que você gosta tanto de Duluth quanto eu. - Minha mãe não está errada em sua afirmação, a saudade de casa me inunda, junto de um nó incômodo na garganta, morar com o seu novo marido é uma opção inexistente para mim. Seu tom divertido me causa náuseas.

— Estou gostando de morar com Thomas, ele é solitário, pretendo ficar. - Murmuro contra o celular em meu ouvido, Marie suspira, seu silêncio me incomoda, ela sabe as verdadeiras razões por trás das minhas palavras. — Além do mais, não quero ficar fora do colégio, é o meu último ano, preciso aproveitar.

— Bom, me conte sobre a Duluth High School, ainda fede a tabaco e produtos de limpeza? - A minha afirmação parece iluminar o humor da minha mãe, distraí-la continua sendo fácil. Um trovão faz a janela balançar e a temperatura continua a descer drasticamente.

— Nada de tabaco, mas segue com a mesma estrutura da época de Cristo, quando você esteve por lá. - Implico com ela, sorrindo para mim mesma. —Eu gosto de estudar naquele lugar, até participei de um jogo de futebol, sou animadora de torcida, o uniforme é ridículo. - Oculto a parte em que encontrei um corpo, sem uma gota de sangue, nas dependências do colégio, a lembrança me arranca um suspiro pesaroso.

— Você? Em uma equipe de torcida? - Ela não acredita, seu timbre desdenhoso me faz gargalhar. — Isso tem dedo do seu novo amigo no meio, não tem?

— É, o Theodore consegue ser muito persuasivo quando quer. - Concordo tranquilamente, o falso tédio perfurando a minha voz. — Mas, eu também quis participar, é bom para o currículo escolar, eu ainda quero uma bolsa para entrar na faculdade, mãe. - Lembro a mulher do outro lado.

— Tenho certeza que você vai conseguir, as faculdades de Seattle são ótimas, eu andei pesquisando com James, Anabelle também termina o ensino médio esse ano. - Ela comenta animada, como alguém que faz planos, a irritação faz o meu estômago borbulhar, contorço os dedos dos pés e resmungo em seguida.

Por teus olhos, Sarah.Onde histórias criam vida. Descubra agora