Capítulo 1- O Lobolo

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Zahara

O mucume¹ novo tapava o meu rosto impedindo que os demais vissem as lágrimas, chorava silenciosa ouvindo os risos altos que atemorizavam os meus ossos, a voz fina de uma mulher preenchia o espaço escolhendo entre as cinco mulheres tapadas pelas capulanas tentando adivinhar quem era a noiva. Essa brincadeira fazia parte da cerimónia de alambamento, onde se a cunhada mais nova errasse e destapasse outra rapariga que não fosse a noiva, a família do noivo teria que pagar por cada erro cometido com uma multa estabelecida pela família da noiva até que se chegasse à verdadeira nubente.

— É esta.— disse segurando em meus ombros e alguém perguntou se ela tinha certeza, pois já tinha falhado em três tentativas e estavam cansados de perder  dinheiro, em dois segundos a minha capulana foi descoberta e todos bateram palmas por ela ter acertado finalmente.

Olhei para todos com estranheza, não havia nem um familiar meu naquela sala, não que eu tivesse muitos familiares para atender ao meu casamento, na verdade, eu mal conhecia a família da minha mãe, visto que a família dela não concordou com o seu casamento com o meu pai e desde que eles vieram se alojar em Gurué no tempo da guerra nunca mais tiveram contacto com eles e eles nunca fizeram questão de conhecer-me, nem para o funeral da minha mãe eles apareceram. Em contra parte, da família do meu pai a única familiar viva era a minha avó que vivia em Inhambane, mais de mil quilómetros dali, eu estava sozinha, à minha própria sorte. Procurava naqueles rostos desconhecidos, alguém, mesmo que fosse uma única pessoa que me pudesse salvar daquele terrível destino, os irmãos e tios da minha madrasta eram os únicos presentes naquela farsa, confirmando as minhas suspeitas de que aquilo tudo tinha sido um plano para ela ficar com os bens do meu pai e afastar-me do seu património para sempre.

— Estes brincos são para não ouvires os assobios dos homens na rua, pois só a voz do teu marido irás escutar.— disse a irmã mais nova do meu futuro marido com o sorriso largo colocando os brincos nas minhas orelhas, as tias cantavam em língua tradicional contentes, ignorando o terror em meus olhos.

— Este anel é o símbolo da vossa união que inicia hoje para sempre.— ela colocou o anel de noivado no meu dedo, estremeci, para sempre era muito tempo para se passar com alguém que eu não amava, com um homem que eu mal conhecia, precisava arranjar uma rota de fuga e rápido. Algumas senhoras levantaram para dançar, entregaram-me capulanas e lenços que amarrei na cintura e na cabeça da minha madrasta e das suas irmãs com as mãos trémulas.

— O noivo chegou.— gritou uma das senhoras e a minha madrasta fez sinal para eu ir recebê-lo, caminhei até à entrada para encarar o senhor de meia idade com um ramalhete de flores em suas mãos, ele sorriu com seus dentes amarelos e apodrecidos pelo cigarro, a barba aparada mostrava alguns pêlos grisalhos a despontar, barriga a bater nos joelhos, suava como um porco fazendo a camiseta branca ficar ensopada, ele segurou em minha mão e deu um beijo no dorso da mão que me fez arrepiar a espinha de nojo, entregou-me as flores e quando cumprimentou-me o mau hálito deu-me náuseas, então segurou em minha cintura e caminhou comigo para o quintal onde seria o banquete. Todos gritavam e dançam à nossa volta, o batuque tocava no mesmo ritmo que os meus batimentos cardíacos enquanto as tias cantavam desafinadas a melodia do meu funeral, o velho calvo do meu lado não parava de sorrir, orgulhoso da boneca de porcelana que acabaca de comprar. Procurei Sónia na multidão e encontrei-a sorrindo satisfeita com a minha desgraça, juntamente com as duas filhas, assistia aquele show de horror como uma personagem terciária da minha própria história, esperando pelo momento em que ia acordar daquele maldito pesadelo.

— És tão linda Zahara.— disse o meu noivo no meu ouvido enquanto nos sentávamos à cabeceira da mesa, sorri fraco pensando no momento certo para escapar. Recusava-me a aceitar aquele destino, eu não merecia aquilo, eu não iria acabar com um velho asqueiroso, nem morta, mas precisava ser inteligente e fugir no momento certo.

ZaharaOnde histórias criam vida. Descubra agora