Zahara
— Essa escultura bizarra também.— ordenei à criada que retirou a escultura de um guerreiro que foi apunhalado com uma flecha pelas costas da estante, sorri satisfeita ao ver as modificações que eu já havia feito no pequeno palácio. Nos últimos cinco dias enquanto Lourenço estava na cidade, eu decidi ocupar a minha cabeça redecorando a casa, coisa essa que não foi muito bem recebida pelas criadas que fizeram vista grossa mas não podendo desacatar a sua nova senhora obedeceram com os narizes torcidos.
— Eu pedi que retirarem essa cabeça de cervo da parede.— disse pela milésima vez mas elas se entreolhavam como se tentassem escolher quem iria falar, uma delas ganhou coragem dizendo cabisbaixa:— Senhora, não acho boa ideia tirar o cervo, o Sr. Lourenço...
— Lourenço não tem que achar nada, ru sou a dona de casa, da casa cuido eu, se eu digo para tirar o cervo da parede, é para tirar o cervo da parede. Que inferno!— interrompi-lhe esfalfada e ela se calou:— Vá, tirem essas coisas daqui.— ordenei apontando para alguns objetos no chão, uma delas carregou as antigas cortinas e quantos objetos decorativos conseguiu carregar, a que havia opinado sobre a cabeça de cervo na parede retirou-no da parede e ambas saíram da sala em silêncio.
Sentei-me na braçadeira do sofá expirando o ar contido em meus pulmões pesadamente, a verdade é que durante os últimos cinco dias tentei ocupar a minha mente brincando de casinha, fingia para mim mesma que eu tinha um papel importante a desempenhar mas aquelas malditas empregadas não mediam esforços para mostrar que eu não tinha autoridade alguma sobre elas ou sobre aquela casa, frizavam o tempo todo que Lourenço era a única pessoa a quem elas obedeciam. Talvez aquela tivesse sido uma orientação do próprio Lourenço, ou talvez, elas simplesmente achavam que eu não era qualificada o suficiente para ser a senhora daquele império.
Olhei ao redor para o meu trabalho: as cortinas foram trocadas, diminui a quantidade de objetos decorativos na sala deixando-a mais convidativa e arrejada, a maior parte dos cómodos empoeirados foi limpa e a ordem dos sofás foi trocada, organizei um novo menu para as refeições com as minhas comidas favoritas e mandei semear algumas das ervas que eu usava para cuidar do cabelo no jardim. Resumindo, os trabalhadores estavam fulos, eles agiam como se nunca tivessem trabalhado na vida e estivessem habituados a fazer o que bem entendessem. A única que me apoiava era Felismina, ela alertou-me porém que Lourenço podia não gostar de algumas modificações que eu estava a fazer mas eu me limitei a sorrir e pedi que ela ficasss tranquila, secretamente eu esperava que ele não gostasse, na verdade queria que ele odiasse, queria que ele se importasse tanto com aquilo que fizesse aquela expressão de surpresa novamente, eu mataria só para fazer a cara inexpressiva ganhar alguns traços e se contrair nem que fosse de desgosto.
Balançei a cabeça para os lados tentando arrancá-lo de meus pensamentos e levantei-me para colocar água num dos vasos com àsteres e girassóis que eu mesma arranquei no jardim. Aquele estranho que eu mal conhecia havia invadido lugares da minha alma como nenhum outro homem havia feito antes, talvez fosse pela última conversa que tivera com Felismina ou talvez aqueles olhos heterocrómicos que me hipnotizavam, facto era que eu não conseguia parar de pensar nele, de dia eu esperava que ele chegasse a qualquer momento de sua viagem e de noite eu sonhava com ele, estava a dar em doida, perguntava-me se ele realmente estava na cidade à negócios ou se havia simplesmente fugido para longe só para não ter que lidar com o fardo que eu era.
— O que tu estás a fazer? — ouvi a voz dele atrás de mim e levei um susto, virei-me para encará-lo ainda com a mão no peito, Lourenço não parecia surpreso como eu queria, ele olhava para mim inexpressivo como sempre, me senti desapontada por um segundo mas com um tom desinteressado respondi:— Já voltaste? Não ouvi-te chegar.— e voltei-me de costas para ele fingindo arranjar as flores no vaso, meu coração batia descontrolado no peito e mal conseguia respirar perto dele, eu havia esperado por ele a semana inteira.
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Zahara
DragosteZahara é uma mulher moçambicana que foi vendida pela madrasta para se casar com um homem poderoso em Gurué (Zambézia), mas algo terrível acontece com o seu futuro marido impedindo que o casamento se consume. A família do seu marido obriga-a a partic...