Capítulo 2-Viúva Negra

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Zahara

— Como é que tu lhe mataste? Tu o envenenaste?— berrou uma das minhas cunhadas na minha cara, tremia e chorava sem conseguir dizer uma palavra.

— Fátima, tenha dó!— disse outra mulher que eu não sabia quem era.

A imagem do velho estatelado na cama sem vida rodava na minha cabeça como uma cacete estragada, as imagens pareciam um filme desfocado na minha mente: depois de confirmar a morte do meu marido a criada correu para ligar para um médico, via pessoas entrarem e saírem do quarto enquanto permanecia estática em choque encostada à parede ao lado da porta, o corpo foi retirado e levado ao hospital, as criadas retiraram os lençóis da cama e limparam o vinho derramado no chão, algumas horas depois, uma das criadas que se apresentou como Felismina sentiu pena de mim e acompanhou-me para tomar banho, ela preparou um traje preto para eu usar e auxiliou-me a vestir e a cobrir os cabelos com um lenço igualmente preto, os móveis foram cobertos com panos e a esteira foi estendida na sala para receber os familiares e amigos do meu falecido marido que me viriam dar os pêsames, eu queria sentir alguma coisa, talvez culpa por ter pedido ao meu pai para me salvar daquela situação e o meu marido ter falecido logo a seguir, talvez felicidade por não ter sido estuprada por um velho que me arrancou da minha casa contra a minha vontade, mas eu não sentia nada, o vazio ocupava o fundo do meu âmago, eu era tão jovem para ser viúva.

Os familiares do falecido chegaram na manhã seguinte logo cedo, seus olhares desconfiados demostravam que achavam que eu era a culpada pela morte dele, os questionamentos não acabavam, contava a mesma história sem me cansar mas ninguém parecia acreditar verdadeiramente em mim. Por um lado estava aliviada, queria que me expulsassem dali para fora pois assim seria livre, mas para onde eu iria? Eu nunca tinha saído de casa, eu não tinha nenhuma habilidade especial, não era boa com as tarefas de casa e cozinhava muito mal, nunca me interessei por cultivar a terra então seria difícil encontrar um emprego nas plantações, resumindo eu era inútil e não sabia como iria sobreviver dali para frente.

— Dó? Está claro que ela fez alguma coisa com ele, Mário sempre teve boa saúde, ele não pode ter tido um ataque do coração assim do nada.— insistiu a Fátima.

— Vai ver ele não aguentou com a pedalada da novinha.— disse um dos homens e alguns dos presentes se riram disfarçadamente, senti-me envergonhada pelo que não tardei a corrigi-lo sem saber que estava prestes a cometer um grande erro:— Nós não consumamos o casamento.— gritei e todos se calaram surpresos.

— Estás a dizer que não se consumou o casamento?— quis confirmar a outra mulher que tentava acalmar Fátima e ela sorriu aliviada virando-se para os demais.— Ela é muito nova, com certeza vai arranjar outro marido logo, podemos devolvê-la para a família dela.

— Ninguém aceitaria uma viúva negra.— comentou alguém ao fundo.

— Matilde, eles foram explícitos, não há devolução do dote.— disse sério um dos senhores completando.

— Pois então que fiquem com o dote mas levem-na de volta.— Matilde tentou convencê-los.

— Tu sabes quanto nós pagamos por ela?— berrou Fátima como se falasse de uma vaca, abaixei o olhar sentindo-me minúscula ao pé daquelas pessoas.— Sem contar que a madrasta dela não iria aceitá-la de volta.— disse um dos tios, aquele a quem Lourena havia oferecido a taça de vinho cheia, Fátima segurou a testa estressada.— Isto não pode estar a acontecer.— disse ela dando voltas pela sala dramática e todos murmuravam ao mesmo tempo tornando as conversas paralelas imperceptíveis.

— Já sei!— gritou Fátima fazendo todos se calarem para a escutar.— Eles não consumaram o casamento e agora a casa está suja, não existe herdeiro e não há ninguém para gerir os bens de Mário, a solução é simples, vocês não vêem?— disse como se fosse óbvio e todos permaneceram em silêncio tão confusos quanto eu.— Vamos fazer a cerimónia do Kutchinga.— disse séria e o meu coração falhou uma batida.

ZaharaOnde histórias criam vida. Descubra agora