1 - Estranho encontro

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O sol forte castigava a terra seca, enquanto o jovem Nthanda e a mãe, Adanna Odarah, trabalhavam incansavelmente na limpeza das terras para cultivo. As enxadadas pesadas cortavam a terra seca e dura, enquanto o suor escorria em seus rostos e corpos. A paisagem era árida e desoladora, com poucas árvores e nenhum sinal de água por perto, além de seus cantis.

- Mas que calor é esse, mãe! - Comentou o rapaz entre enxadadas.

- Está na época, Than - A mãe respondeu com seu habitual bom humor. - Já vai se acostumando aí. - sorriu ela.

Sua mãe era uma mulher baixinha com longos cabelos grisalhos amarrados em uma longa trança. Tinha roupas feitas de linho, muito comuns entre os trabalhadores. Era uma mulher gentil e bem-humorada.

- Hoje tá merecendo um banho gelado daqueles. - Falou Nthanda, secando o suor da testa com a boina que protegia sua cabeça calva do sol impiedoso.

- Então você que busque a tina com seu tio Hall. - disse ela colocando um toco seco de madeira na carroça - Nthanda! Você está fazendo errado!! não é para pentear a terra, é para cavar!!!

- Mas eu estou cavando!!!

- Me dá essa enxada aqui, você pega a madeira agora. - falou empinando o nariz.

- Sabe que isso não é justo né? Quer dizer; eu corto, cavo e depois ainda pego madeira?

- É...? - Encarou-o com um olhar sugestivo. - O quê que tem?

- Traído pela própria mãe. - E começaram a rir feito crianças.

Foram para casa ao entardecer. O Feudo Grishik onde trabalhavam não ficava tão longe da cidade, mesmo assim eles dispunham de uma carroça, puxada por uma burrinha para os levar todos os dias. A mãe, as ferramentas, o filho e os espólios da "aventura" do dia, como dizia sua mãe. Eles podiam utilizar os recursos do campo onde estavam limpando. Nthanda era um rapaz bem forte, conseguia fazer uma boa renda com a lenha que recolhia nós dias de trabalho. Alguns cochichavam sobre como ele era estranhamente grande, tinha apenas dezoito anos, mas já passava de noventa quilos nos seus quase dois metros de altura. E ter perdido todo o cabelo quando tinha oito não ajudava com os cochichos.

- Não esquece de buscar a tina com seu tio. - Comentou sua mãe.

- Pode deixar, aliás acho que vou lá agora mesmo, é que eu... tenho que passar na Feira. - Mentiu.

- Muito bem lembrado! Traga-me alguns temperos então... - disse ela, para provocar.

- Não sei se vou passar perto de alguma... - começou hesitante.

- Aonde você realmente vai Nthanda Odarah? E não minta pra mim- disse cruzando os braços - esqueceu que cresci em Sallar?

Sallar era uma cidade localizada pela região costeira ao sul de Peutan. Com bastante golpistas de todo tipo. Sallar tinha uma rica história marítima, com muitos navios e mercadores vindos de todo o mundo, com festivais e eventos acontecendo durante todo o ano. Em resumo, Sallar era uma cidade pitoresca e cheia de enganadores.

- Certo... - bufou ele suspirando - Combinei de ajudar o velho Emilyan. - Começou ele.

Já havia ensaiado aquela desculpa antes mesmo de subir na carroça.

A mãe segurou um sorriso, então disse olhando para ele.

- Não está mentindo pra mim né?

- Não eu... - Disse, ruborizado.

- Sabe, se não fosse meu filho, diria que é um completo incompetente como mentiroso. Mas isso é até bom se você parar pra pensar... Só não deve ser muito prático as vezes eu acho.

Então empertigado, ele disse.

- Ainda assim, não acho muito agradável ser chamado de incompetente de graça.

Logo os dois começaram a rir novamente. Adanna não voltou a tocar no assunto, sabia que o rapaz deveria ter seus motivos para não falar onde iria. Em um momento oportuno ele mesmo diria a ela.

- Mas é sério, preciso de temperos. Acabou tudo.

*

Nthanda foi até a cidade, afinal o compromisso real era que precisava falar com o Senhor daquele terreno que atendia pelo nome de Sr.Turner. Porém, antes de falar com Sr.Turner, decidiu passar na feira da cidade.

Peutan estava longe de ser uma cidade pacífica, os Capitães Da Cidade, e seus pequenos exércitos faziam frequentes rondas, garantindo a paz na cidade. Em teoria. Ainda assim a feira da cidade era uma das maiores atrações de Peutan, lá se vendia todo tipo de coisa, desde casas em cima das grandes criaturas do deserto, até anéis que os vendedores fortemente alegavam ser feitos do Metal dos Deuses, seja lá o que isso significasse. Com mais de um quilometro quadrado em sua área. A feira atraia visitantes de toda Kayron. Turistas sem um guia local, facilmente se perderiam. por isso existiam pontos de apoio, guardados pela Capitania de segurança externa.

Chegando perto da barraca de temperos mais próxima, Nthanda não pode ignorar uma figura que se destacava em meio à multidão. Mesmo que não fosse incomum encontrar algum meio-humano na feira de Peutan, estranhamente aquela figura de capuz vermelho tapando seu rosto, chamou sua atenção, devia ter uns dois metros e meio de altura, bem mais alto que qualquer meio-humano, era musculoso como um golem, e poderia ser confundido com um, se não fosse pela visível coloração da pele no ombro onde seu turbante não cobria. Aparentemente o estranho nem o Havia notado, estava vendo algo em uma loja de vasos e garrafas de barro, talvez fosse apenas um viajante qualquer. Nthanda parou na barraca de temperos e começou a escolher, de vez em quando voltando os olhos ao estranho, quando se deteve em uma conversa animada com o vendedor de temperos sobre preços.

- ...Esses dias me cobraram trinta moedas de bronze pela cesta de batatas!!

- Entendo, para nós comerciantes, está cada vez mais difícil se sustentar com as vendas. - Respondeu o vendedor de meia idade. - Espero que com a chegada do Festival, as coisas melhorem.

- Pois é eu... - Ele se interrompeu quando alguém esbarrou em suas costas, e ele estremeceu com o toque frio.

- Desculpe garoto... - Uma voz grave e distante soou atrás dele.

- Sem problema... - Se virou para falar e viu quem esbarrara nele. O viajante de capuz, que agora estava a um palmo de distância. Com os olhos colados nele.

Nthanda travou.

Não conseguia formar sequer uma palavra após olhar o estranho nos olhos, havia uma presença inumana no homem. Este possuía um brilho assustador nos olhos, como se eles estivessem acesos, Nthanda começou a ser hipnotizado pelo vazio daqueles olho, lembrando um pequeno farol no fundo de um poço, piscando lentamente, hipnotizante... emanava morte.
O estranho percebeu o transe do rapaz, não dava para ver suas feições através do lenço que cobria seu rosto, mas o rapaz notou a hesitação nos modos do estranho, que agora já se preparava para sair dali.

- Ei espere!!! Me desculpe minha reação, Senhor. Eu não quis ofendê-lo.

- Não ofendeu. - Disse o estranho - mas o que... - comentou desviando olhar para traz do rapaz com surpresa, o que instintivamente fez o jovem olhar para mesma direção.

- Eu gostaria... - Quando Nthanda se virou, não viu mais o homem. Olhou em volta, porém nenhum sinal do desconhecido.

Aparentemente um ser tão grande como aquele não poderia se ocultar em uma multidão tão facilmente, pensou ele.

Estava errado.

Não conseguiu identificar nem ao menos o vermelho do capuz do estranho, á distância. Ele simplesmente sumira como se nunca tivesse estado ali.

- Entendeu alguma coisa do que aconteceu aqui? - falou se virando para o velho.

- Nem um pouco. - o senhor respondeu com um rosto de estranheza.

Nthanda pagou o vendedor e saiu da tenda, ainda assombrado pelo estranho viajante e seus olhos misteriosos. Colocando o saco de temperos em sua bolsa, ele caminhou em direção ao Arco Comercial da cidade. Ansioso com sua próxima conversa, que seria com alguém mais assustador.

E o vendedor apenas se perguntava por que será que o rapaz de repente tinha virado para trás e começado conversar.

Sozinho.

o Lutador de PeutanOnde histórias criam vida. Descubra agora