Capítulo 6. Negação.

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08.11.2021
05:35AM

Eu jamais pensei que esse capítulo da minha vida viria assim, tão cedo... apesar de ter consciência que a morte chega para todos, não esperava que a pessoa mais talentosa que já conheci, a verdadeira joia rara, passaria por esse mundo como um cometa, tão rápido e perspicaz, e com ela levaria tudo de mais lindo; deixando um legado fortíssimo, de quem nasceu para fazer história, pela lógica eu deixaria esse mundo, muito antes dela...

Tantas perguntas sem respostas, o que seria de nós? Meu Deus o Léo... o que eu não daria por mais um minuto ao seu lado, minha irmã?

Não tenho semblante, cor ou voz, e o único barulho que escutava era do vento batendo na janela; até minha pele estava ressecada, precisando de um sol.

Eu estava sem forças até para pegar o copo d'água que minha mãe havia deixado junto de uma tábua com comida ontem, meus braços se recusavam a esticar, parecia que estavam atrofiados... é pesado, tudo dolorido e após o enterro, não vi mais a minha irmã. Eu só queria mesmo acordar do pesadelo. Meu coração estava apertado, sentindo a pior angústia de toda minha vida.

O mundo deveria entrar em luto pelo resto de sua miserável existência, não entendo como estamos vivendo novamente em um lugar que não tem a sua presença.

07:15AM

Após dias em estado de transe, vivendo de sonífero e diazepam, sou obrigada a levantar pois minha bexiga estava para explodir a qualquer minuto.

Chegando ao banheiro, olho para o espelho e me assusto com a minha própria imagem, me deparo com manchar roxas pelo corpo, cheiro meu hálito e axilas, precisa urgentemente de um banho. Meu rosto repleto de rugas e minha pele sensível gritavam com o toque da água quente escorrendo, a ponto de sentir rasgá-las.

— filha. - escuto três batidas na porta. — posso entrar?

Nada respondo, só queria ficar sozinha por um bom tempo ainda.

— amor, a mamãe quer te ver. - minha mãe diz insistindo. — trouxe comidinha para você.

De repente meu quarto é tomado por uma claridade, reajo me enfiando em baixo do edredom enquanto escuto seus passos vindo em minha direção.

— filha, você não comeu nada que a mamãe deixou pra você? - diz surpresa mas ainda triste, mesmo assim sinto forças no soar de sua voz.

— mãe. - falo pela primeira vez após dias e minha voz sai, bem rouca e fraca, mal conseguindo formar um frase com verbos.

— pode falar meu amor. - me olha com ternura, acariciando meu cabelo.

— eu... - sinto minha garganta fechar, os olhos encherem de lágrimas e ao ver minha mãe reagir, choro desesperadamente.

— vai ficar tudo bem... eu prometo. - diz em meio a lágrimas.

— eu não entendo mãe... porque ela. Não quero vi se sem ela. - soluço em seu colo sentindo minha pressão cair e minhas vistas escurecendo.

Maríliaaaaa me espera...

não vai, por favor...

Em um último suspiro de força, me vejo chegando perto dela, mas sem sair do lugar, como se estivesse flutuando no céu mas ainda presa... e ela ali como um ser iluminado sorrindo com ternura, seu olhar conversava comigo, sem dizer uma palavra, ela disse:
tenha calma, eu sempre estarei com você, seu coração é enorme e merece paz.
Eu te amo pra sempre minha amiga.

Como pode, você me acalmar somente por me olhar e transparecer paz, explicando cada sentimento cultivado, em todos esses anos que vivemos juntas.

12.11.2021.
20:05PM

Minha cabeça gira gira, respiro fundo sentindo o sopro da vida reacendendo minha história, eu continuo daqui minha amiga, te prometo. Seu LEGADO estará sempre vivo, se depender de mim.

— Maraisa, graças a Deus. - diz a minha alma gêmea, fazendo pressão sobre meu colo.

— Maiara, Deus me deu a oportunidade de me despedir dela... - digo sorrindo, enquanto, por força maior meus olhos derramam lágrimas de alívio.

— como assim irmã? - perguntou, sentando na cama onde eu estava.

Pego em suas mãos, beijo e sinto as mesmas pálidas e geladas.

— irmã, eu pedi a Deus para conversar com a Marília, ter mais um minuto que fosse... - Maiara arregala os olhos mas não diz nada. — sentir a presença dela pelo menos uma última vez e mesmo não ouvindo ela falar, a paz dela me envolveu e eu consegui ouvir ela dizendo para eu ficar em paz e que me amava.

Maiara suspira fundo, balança a cabeça e me abraça.

— meu amor, eu fico muito feliz que você conseguiu ter esse momento com ela, mas... - seu semblante muda totalmente, se levantando e indo em direção a porta do quarto.

— que foi irmã? - meu olhos acompanham seus passos e só então me deparo que não estava mais em casa.

— você ficou internada sob restrição médica, irmã você podia ter morrido... - fala receosa e então sai do quarto.

Percebo buquês de flores e balões espalhados pelo espaço do hospital, me desejando melhoras;

O soro na veia e meu peito com diversos fios para monitorar meus batimentos cardíacos e saturação do corpo, me assustaram, logo escuto o monitor apitando dando sinal de que meu coração acelerou, enquanto minha respiração ficava cada vez mais funda e distante.

Um moço alto entra no quarto de pressa já se apresentando como doutor Medeiros, o homem me explicou que eu tive um pré ataque cardíaco por conta dos remédios que tomei em excesso, os médicos precisaram até fazer uma lavagem estomacal; enquanto fiquei em sono profundo, até meu cérebro despertar sozinho com a diminuição de medicamento, o que poderia levar mais de mês por que o estresse pós traumatismo que tive, não deixaria eu acordar tão cedo, ou até coisa pior poderia acontecer, foi totalmente uma loucura e suas palavras me fizeram duvidar da experiência espiritual mais surreal que já tive.

— não pode ser... foi criação da minha cabeça, doutor?

— não tenho como afirmar, somente psiquiatra pode te dar um laudo. Precisamos de terapia intensiva. - ele diz e então engulo em cedo, me sentindo uma fraude.

Eu realmente só queria viver em paz, queria voltar a dez anos atrás onde não tinha tantos problemas na vida...

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