XIX - Dona da Minha Cabeça

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Entre uma série de fatos, desânimos, bloqueios... surgi aqui com um capítulo curto. Mas antes pouco do que nada, né?

Ouso dizer que esse aqui é o que mais tem clima de despedida. Mas a despedida está bem doce, por assim dizer.

Em tributo ao dia do Senhor do Bonfim, eu devolvo nosso casal à cidade de São Salvador. Axé!


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"Dona da minha cabeça, ela vem como um carnaval, e toda paixão recomeça, ela é bonita, é demais. Quero saciar minha sede milhões de vezes, milhões de vezes, na força dessa beleza é que eu sinto firmeza e paz, por isso nunca desapareça, nunca me esqueça — Não te esqueço jamais."

— Dona da Minha Cabeça, canção de Geraldo Azevedo.


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As coragens surgem dentro de nós quando os medos se afloram. Medo de perder, medo de não seguir, medo que tudo dê ruim.


Acho que não preciso dizer que Liverpool e Manchester foi um combo de coragens, não é?


A primeira coragem veio na última manhã da cidade cinza, no primeiro respirar, no primeiro olhar-primo à feitura do dia, com o sol invadindo pela fresta da janela, curiosa e linda. Eu acordei com medo de perder o conforto do sono dos queixos sob os ombros largos. Acordei com medo de perder as mãos no quadril, o zelo anormal, o possuir do corpo, a expurgação da ruindade, plena, plena.


Então eu titubeei numa manhã casual de fuga no amor, e as palavras saíram como aurora — o primeiro raio de realidade.


— Eu preciso disso. Eu preciso criar meus filhos com você. Preciso viver você.


Precisava, Jesus, como eu precisava. Não que minha proposta de criar sociedade e casas de família não fosse tão sugestivo assim, mas eu senti a necessidade de pedir com todas as minhas forças que ele voltasse pra mim.


Porque quando ele foi, eu não pedi — mas subentendido, ele entendeu. Eu não queria deixar uma margem pra erro.


Quero ele perto — perto, perto.


Quero ele na honestidade, no zelo, na saúde, na doença, na bondade e na maldade. Quero ter.


Tenho. Agora eu tenho. Sou feliz por poder afirmar isso.


A segunda coragem veio em uma daquelas noites em família, em que Manchester parecia mais linda, e a casa de campo do meu irmão parecia ter saído de um filme da Disney. As crianças já dormiam no sofá, largadas com os cachorros dos dois, Tilda e Mr. Jones, enquanto que bebíamos juntos um vinho na sala de visitas, um piano-cauda nos provocava.


— Alexandre, você sabe tocar. Sua mãe era professora em Curitiba, né? – disse, com um braço estendido sob seus ombros, equilibrando a taça de vinho tinto na outra.


Estava tão confortável que não ousava disfarçar mais que algo tinha acontecido: que ele era meu, e estava de volta a mim. Não que eu fosse o mais justo dos portos de volta, e que ele fosse dos barcos mais navegantes, mas a gente realmente não se esforçou em frente à Gael e Sodré nos dias finais da nossa viagem em família. O tempo que foi curto, nos fez viver e ver anos de desentendimentos como fagulhas avulsas, bestas, bobas. A vida era aquilo.


— O que tu quer que eu toque, preta?


O que teu coração mandar. – disse, sorrindo, bem próxima dele.


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