Onze

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Faltam apenas alguns dias para o Halloween e eu ainda estou dando os retoques finais em minha fantasia     Raven vem de vampira (dã) e Axel, de pirata — mas só porque consegui convencê-lo a não vir de Madonna na fase dos sutiãs de cone. Quanto a mim, não vou contar nada. O problema é que minha ideia inicial, ótima, aos poucos foi se revelando ambiciosa demais, difícil de fazer, e já não levo a menor fé nela.
    Tenho que confessar: fiquei bastante surpresa quando Sabrina disse que queria dar uma festa. Em parte porque ela nunca parece dar realmente muita bola para essas questões, mas sobretudo porque, considerando nosso círculo de amizades, seria bastante difícil juntar mais de cinco convidados. Mas aparentemente Sabrina é muito mais bem relacionada do que eu imaginava: rapidamente preencheu duas colunas e meia de nomes. Minha lista, por outro lado, estava pateticamente menor: consistia nos únicos amigos que tenho, dois, e seus possíveis acompanhantes.
    Pois bem. Minha tia contratou um buffet para cuidar das comidas e bebidas, e o restante ficou por minha conta. Pedi a Axel que assumisse a parte audiovisual (o que significa que ele vai usar seu Spotify e também alguns filmes de terror), e Raven, que providenciasse os cupcakes. Portanto, para o comitê  de decoração sobramos apenas Aria e eu. E como Sabrina me entregou um catálogo e um cartão de crédito com ordens estritas para não economizar, passamos os últimos dois dias transformando a casa: o estilo campestre da Toscana aos poucos deu lugar a um tenebroso castelo cheio de criptas e esqueletos. E tem sido muito legal, fazendo-me lembrar o passado, quando a gente decorava nossa casa para a Páscoa, para o Dia de Ação de Graças e para o Natal. Além disso, Aria e eu estamos tão ocupadas e concentradas no trabalho que mal temos tempo para as picuinhas de sempre.

— Você devia se fantasiar de sereia — ela diz. — Ou, então, como uma daquelas donas de casa dos reality shows da TV.

— Caramba, não me diga que você ainda assiste a essas porcarias — digo, precariamente equilibrada no penúltimo degrau da escada enquanto penduro mais uma teia de aranha.

— a culpa não é minha. É da TV a cabo, que aparentemente só transmite o que dá na telha dela.

— Você tem TV a cabo? — pergunto, curiosa. Qualquer informação sobre a vida no Além é sempre bem-vinda, já que minha irmã raramente deixa escapar algum detalhe.

    Mas ela apenas ri e diz:

— Poxa, como você é ingênua! Acredita em qualquer bobagem! — Aria balança a cabeça e revira os olhos, depois retira um fio de pisca-pisca da caixa de papelão a seu lado. — Quer trocar? — pergunta, desatando os nós. — Quer dizer, é ridículo você ficar aí, subindo e descendo escadas, quando posso simplesmente levitar e resolver o assunto.

    Faço que não com a cabeça. Mesmo sabendo que seria bem mais fácil para Aria, ainda gosto de fingir que levo uma vida mais ou menos normal.

— Então, de que você vai se fantasiar, afinal? — ela insiste.

— Esqueça, não vou dizer. — Desço da escada para ver melhor a teia que acabo de pendurar. — Se você pode ter segredos, eu também posso.

— Isso não é justo! — Aria cruza os braços e fica de um jeito que sempre derretia o papai, mas nunca a mamãe.

— Relaxe, na festa você vai ver — digo, e separo os membros de um esqueleto fosforescente.

— Quer dizer que eu posso vir também? — ela pergunta com a voz aguda, os olhinhos brilhando de alegria.

— Como se eu pudesse fazer algo pra impedir... — respondo rindo. Penduro o esqueleto próximo à porta de entrada, de modo que ele possa receber os convidados.

— Sua namorada vem também?

— Você sabe que eu não tenho namorada alguma — respondo, revirando os olhos e respirando fundo, já irritada com a aporrinhação que está por vir.

Para Sempre - Os Imortais. ●Billie Eilish●Onde histórias criam vida. Descubra agora