–Outono de 1994–
                                   Capitulo I=




    
                                       A Vilã








Observo meu reflexo pelo espelho, enquanto passo a tinta fresca em meu rosto; pincelando com a ponta dos dedos, meu batom da cor vermelho carmesim em meus lábios borrados em tanto errar a linha que os circula, terminando finalmente de os pintar.

Estou cansada. Tanto fisicamente, quanto mentalmente. Já estou farta em tanto cair, pular, fazer expressões exageradas, e principalmente, ser a vilã. Em nenhuma das peças de teatro que participo, sou a mocinha que é raptada pela vilã, para ser salva por seu cavalheiro. Ao contrário, sou a vilã. A que sempre inveja a mocinha, que é horrenda e mora em um castelo fantasmagórico no meio do nada!! E eu nunca entendo o motivo disso; não sou feia, ao meu ver, e nem atuo mal. Faço audições para os papéis principais, porém, nunca os consigo... Sempre.. sempre me resta elas.. as personagens mal amadas e indesejadas por todos.. Talvez.. seja um espelho da realidade?

Mas.. Não me preocupo com isso, eu entendo a dor delas, a dor de sempre ser a vilã, mesmo não fazendo nada. Eu compreendo a dor da rejeição, todavia, tenho o direito de pelo menos em minha vida, ser uma mocinha... não é? Então.. então.. por que..

Por que.. é sempre ela?

A observo rodopiar pelo palco com um belo sorriso branco e vestido esvoaçante esfarrapado no ar, sendo aplaudida pelos produtores, plateia cheia só para vê-la, e colegas de encenação, desviando o olhar para o cara a minha esquerda, que segura uma prancheta em mãos e acena, demonstrando que entrarei em cena agora...

Toco no lenço transparente escuro que cobre meus cabelos pretos como o fundo de um poço fundo, e o movo para meu rosto, o cobrindo brevemente ao mesmo tempo que entro em cena; afundando meu salto dez na madeira que range alto com a minha entrada triunfante na releitura da clássica peça: Cinderela

— Oh, mamãe!! Não podes deixar essa gata borralheira ir ao baile!

Exclamei andando de costas, me virando em seguida num segundo, para caminhar rápido até a mulher de vestido vinho e cabelos cinzas a minha frente, pegando em suas mãos magras.
— Ela estragaria nossas reputações!

— Além do mais, que vestido a pobre órfã usaria? Não tens vestidos...— a outra de maquiagem e joias extravagantes exclamou sorrindo largamente, olhando fixamente em direção a ela... que está de cabeça baixa, expondo seus belos cabelos loiros..

— N-não teriam que se preocupar em relação a isso! Tenho o vestido de minha mãe!

        Sua voz feminina e delicada ecoou pelo salão, o deixando em um completo silêncio de apreciação. Caminhou até nos, com as mãos juntos em frente ao peito, começando a andar em direção oposta da que a mesma anda agora, virando a cabeça para observar seus olhos por um segundo, que já me observavam com atenção; com seus olhos azuis celeste cobertos por seus cílios longos com rímel, e cabelos loiros os cobrindo como o seu charme, e semelhança gritante com nossa mãe.

        Elas são idênticas.. diferente de mim. Não tenho nenhuma das características da família de mamãe. Tenho cabelos e olhos escuros como a noite, ao contrário delas que brilham como o nascer do dia....

* * *

        Me deito no sofá de couro da sala, escorando minha cabeça em seu colo, suspirando fundo a medida que as notícias ruins passam pela Tv de tubo médio, observando mamãe dar entrevistas sobre mais um assassinato pela tela falha e manchada pelo tempo.

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