Capítulo II - JORNADA VORAZ

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Puxa a corda, concentra, mira, respira fundo, solta. Pega outra flecha, coloca no arco, puxa a corda, concentra, mira, respira fundo, solta. O aprendizado recebido por seu pai auxiliou Aiden por toda a vida, mas nesse momento era o momento onde ele percebeu isso à flor da pele enquanto se esquivava habilmente das garras de alguns lobos selvagens. Estava há dois dias de casa, o caminho até ali havia sido até tranquilo, porém sabia que alguma hora ou outra encontraria aversidades, e foi uma previsão muito correta quando acabou sendo encontrado por uma alcateia, conhecidos comumente como "lobo atroz", uma criatura de quase um metro e meio de altura e dois metros de comprimento. Não há guerreiro que não tema uma criatura dessa magnitude. Com seu tamanho e sua pelugem cinza chumbo, possui uma força capaz de destruir ossos com uma só patada. Animais desse tamanho precisam de uma abundância de alimento, e dessa vez, haviam encontrado um humano que parecia um prato perfeito para o jantar daquela noite. A noite estava fria, estava longe de chegar no inverno, porém as terras áridas do local onde se encontrava estavam sofrendo desertificação, fazendo o solo refletir o calor ao invés de absorvê-lo, transformando a noite em um deserto gélido. Aiden estava se abrigando em uma antiga cabana abandonada, provavelmente abandonada durante alguma batalha que ocorrera naquele local. Não possuía boa parte das paredes, mas ainda havia um telhado de madeira suportado por alguns pilares de pedras, fazendo com que gerasse uma certa segurança para que não caísse, mas para ter certeza da segurança, verificou se as bases estavam realmente firmes. Enquanto armava seu acampamento, cantarolava algumas músicas que ouvida de seu pai, a que mais gostava se chamava "amor, vida e guerra", uma música que contava a história de um grande guerreiro e uma princesa do reino inimigo que se apaixonaram, e essa música seria a declaração dele para ela, um amor proibido, mas belo. Acendeu a fogueira rapidamente para poder se aquecer, sentou-se ao lado do fogo. O chão de pedras da antiga casa era frio, mas resistente, e enquanto comia, pensava no quão bom construtor era o dono daquele lugar. Imaginou as pessoas que poderiam ter vivido ali, e em sua mente veio a figura de um senhor, forte e alto, com uma esposa e um filho, vivendo felizes dentro daquela casa, que hoje infelizmente não passa de ruínas. Uma vida que poderia ter tido com seus pais se não tivesse havido a guerra, se não tivesse perdido sua mãe antes mesmo de conhecê-la. Enquanto imaginava tudo, viu um pequeno movimento saindo de uma pequena pilha de destroços e entulho. Um pequeno gafanhoto estava com as asas visivelmente machucadas, provavelmente atacado por algum outro predador. _ Olha só, pelo menos não estou mais sozinho, você é meu novo amigo? – Dizia ao gafanhoto, que certamente não respondeu nada. _ Certo, vou te chamar de Gilberto, você tem cara de Gilberto – Apanhou Rapidamente o gafanhoto. Olhou entre seus dedos e o acomodou nas suas mãos, sorrindo, olhou para ele. – Vai ficar tudo bem, você agora é meu amigo, e eu cuido dos meus amigos, pode deixar que vou cuidar de você, Gil. Colocou Gilberto em um pequeno recipiente de vidro que havia levado seu pão que acabara de comer, havia algumas migalhas no fundo, e um resto de trigo, a comida favorita de um gafanhoto, fez alguns furos na tampa de madeira para entrar ar e acomodou seu mais novo amigo. Guardou suas coisas e decidiu fazer uma pequena ronda em torno de seu acampamento. Precisava se certificar de não ter nada próximo que poderia causar algum perigo, enquanto dormia, deixou suas coisas próximas à fogueira e pegou somente uma linha e alguns sinos. Tinha o conhecimento de sobrevivência e de armadilhas, e iria usá-los da melhor maneira. Por mais que sentisse saudades de seu pai e de casa, estava animado para a sua primeira caçada e tinha convicção de que voltaria para casa, dando orgulho para seu pai, e isso vinha cada vez mais forte em seus pensamentos, o sorriso de seu pai por levar uma caça grande. Saiu de perto da fogueira, pegou seu arco, a faca e algumas flechas. Pegou um pequeno pedaço de madeira e o utilizou como tocha, foi ao encontro da escuridão. Estava a cerca de 50 metros de seu acampamento, passou a colocar os fios de amarrar alguns sinos pequenos nesses fios. Caso alguém tocasse, iria acordá-lo imediatamente, e nessa distância teria tempo para reagir a um ataque. Chamou de Alarme. Já havia colocado cerca de 70% de todo seu alarme, alguns sinos estavam já grudados no fio enquanto os instalava, de forma que o vento não mexesse e casuasse confusão. Enquanto instalava tudo, mexia consequentemente o fio, fazendo com que os demais sinos fizessem barulho. Era algo natural e, por conta disso, não reparou quando, do outro lado, algo o espreitava. Existem diversas criaturas que caçam durante a noite, mas as mais perigosas são aquelas que andam em bando, ou são fortes o bastante para se cuidarem sozinhas. Nesse caso, o perigo vinha em dobro. Lobos Artroses são animais lindos, porém extremamente perigosos. São fortes, ágeis e, o pior de tudo, andam em bando. Aiden primeiramente viu um vulto passando ao seu lado direito, era algo grande, por conta disso já sabia que não era sua mente pregando peças. Rapidamente se virou e apertou firme a faca na sua mão direita. Quando se virou, viu que estava parcialmente cercado, lobos caçam em formação, possuem uma inteligência para caçar, estavam em cinco, fechando Aiden em 180°. Só havia como correr para a escuridão, porém não tinha como enxergar lá, ficaria longe da fogueira e não viria mais nada, criando uma vantagem para os lobos, que o veriam totalmente, seria morte certa. _ Cachorrinho bonzinho, você é né, já está dê noite, ta na hora de nanar, vai nanar vai cachorrinho – Seu tom de brincalhão não conseguia disfarçar o medo, pela primeira vez em sua jornada, sentiu falta de seu pai, aqui começava seu primeiro ensinamento prático, o mundo é perigoso, ainda mais quando se está sozinho. O rosnado dos lobos mostrava a agressividade, a saliva escorrendo por suas bocas mostrava a fome. Aiden percebeu que ali não haveria fuga, a sua única chance de sobrevivência seria o confronto. Lentamente pegou seu arco e gritou – ENTÃO VEM PARA CIMA, SEUS CÃES SARNENTOS. Puxa a corda, concentra, mira, respira fundo, solta. Pega outra flecha, coloca no arco, puxa a corda, concentra, mira, respira fundo, solta. Havia acertado dois dos cinco lobos enquanto fugia dos outros três, por mais que os acertou em pontos vitais. Ainda assim, levantaram novamente, por mais que estivessem gravemente feridos, a fome ainda os dava forças. Aiden correu para perto da fogueira, a luz poderia ajudá-lo, mas ainda sim ficar no chão era um risco, a primeira coisa que pensou foi subir no telhado da casa. Habilmente escalou um dos pilares e ficou por cima do telhado. Disparou mais uma flecha, acertando pela segunda vez o primeiro lobo que havia atingido. Agora, restam 4, pensou, puxou mais uma flecha, acertou o segundo logo ferido, derrubando-o também. _ Faltam três, tem certeza de que vou ter que matar todos? Deixo vocês fugirem se quiserem. – Estava com a emoção a mil, o medo havia passado – Isso acabou, eu estou em um lugar mais alto – Nesse momento, estava contando com a vitória a ponto de esquecer um ensinamento de seu pai, jamais subestime um inimigo. Um dos lobos usou seu corpo contra um dos pilares que sustentava o telhado. Um lobo de quase duzentos quilos, correndo com toda a sua força contra um pilar que havia acabado de passar por uma guerra, a vitória veio para o lado do lobo. O pilar se rompeu, junto a ele, o pequeno telhado de madeira desabou, derrubando Aiden que estava desatento por estar focando em outro. Havia derrubado o terceiro lobo quando o apoio que o segurava desabou, em um segundo chegou ao chão desnorteado enquanto via suas flechas se espalhando pelo chão. Quase no mesmo instante em que se recuperava do susto, rapidamente viu pulando por cima dele, lembrou-se que ainda haviam dois lobos, com seu arco conseguiu impedir a mordida, mas não impediu o arranhão em seu rosto que cortou parte de sua sobrancelha até sua bochecha, sentia o sangue escorrer pelo seu rosto e a ardência incomodar quando conseguiu alcançar sua faca novamente, firmou-a em sua mão e cravou bem na têmpora do animal, que desabou por cima dele desfalecido Quatro já haviam caído, os pelos do lobo em cima de Aiden passavam uma sensação aconchegante contrastando com o frio do lugar, porém não havia tempo para relaxar, ainda havia uma última criatura, com sua adrenalina ao máximo, empurrou o corpo do lobo que estava por cima de si, pegou o arco e rolou para o lado. Conseguiu alcançar duas de suas flechas que estavam caídas no chão, as agarrou e as inseriu no arco, porém antes de reparar se havia atirado, ainda no chão, viu uma sombra saltando sobre ele, junto ao rosnado e ao halito pútrido sentiu os dentes do animal apertando em sua carne, sua pele resistindo à mordida sendo perfurada, e no instante que pensou que tinha acabado, a mordida cessou e o animal caiu ao seu lado, as flechas haviam sido disparadas, ambas ao mesmo tempo, atingindo o peito do lobo, matando-o. Aiden percebeu que havia vencido a batalha, todos os cinco lobos estavam derrotados, e o vencedor, com um corte em seu rosto e uma mordida em seu ombro, estava se recuperando do choque da batalha. Alguns minutos se passaram quando Aiden voltou ao normal, a queda da adrenalina fez com que ele sentisse a dor mais forte do que antes, o incômodo do arranhão em seu rosto, que por sorte não atingiu seu olho, estava cada vez maior. Recuperou o fôlego e decidiu que precisava finalizar o seu Alarme, estava exausto como nunca, nem mesmo os treinos mais pesados de seu pai, até mesmo os de magia, o deixaram tão cansado assim. Finalizou o alarme em torno do acampamento e foi conferir os danos no lugar. Chegou próximo ao acampamento e viu toda a destruição, o telhado de madeira desabado por cima da fogueira, deixando o ambiente basicamente todo escuro. Porém, como era uma madeira antiga, estava começando a incendiar de forma que não havia como impedir de forma natural. Por sorte, conseguiu retirar suas coisas dos escombros e enquanto fazia isso lembrou-se rapidamente de seu novo amigo, verificou em sua bolsa e Gilberto estava lá, intacto. _ Ufa, pelo menos você não sem machucou – Disse aliviado – Já eu, acho que preciso treinar mais. – Estava olhando em volta, os corpos dos lobos espalhados pelo chão, sorriu e olhou para dentro do frasco – Pelo menos agora não preciso mais chegar na floresta para pegar carne né? Voltarei mais cedo para casa, acho que o meu pai vai ficar orgulhoso né? O fogo havia aumentado, então acabou saindo de perto da antiga casa, que agora estava totalmente destruída. Ficou com o coração apertando enquanto a via ser consumida pelas chamas, por mais que antes estivesse destruída, ainda sim Aiden conseguia imaginar uma história feliz ali, e isso o aconchegava, e ver o fogo a destruir, era como se o fogo fosse a guerra, destruindo todo amor que já existiu, tudo por conta de poder e da ganância de todos os seres vivos. _ Fico feliz que você seja tão ignorante ao mundo meu amigo – Disse enquanto estava em volto de seus pensamentos – Pelo menos você não vê que fomos amaldiçoados pelos Deuses assassinados, a maldição da ganância, a mesma que infligiu o primeiro pecador e vem nos colocando em guerra até hoje, dizem as lendas que já houve paz no mundo, que havia amor, empatia, compaixão. Elfos, humanos, anões, halflings, todos viviam em paz. Hoje só temos ganância por poder, mas para quê? Dizem que quem subir o topo da torre irá virar um Deus, mas também são somente lendas, e para falar a verdade, às vezes acho que nem mesmo lutam pelos poderes, mas sim só para se provarem melhores, arrumam brigas só para falarem que sua raça é melhor, ou para falar que tem mais ouro, ou só por prazer de matar. No final, quem sofre são os mais fracos, que não podem se defender sozinhos e não têm quem os defenda. Meu pai me ensinou isso, defender os mais fracos, e eu vou atrás disso até o meu último dia nesse mundo – Novamente estava sorrindo para o gafanhoto – e você, vou ajudá-lo a se curar, vai ser livre um dia, meu amigo. _ Certo, preciso arrumar essa bagunça e ir dormir. Quando meu pai enfeitiçar essa carne, vamos poder ter comida para o inverno – Aiden encarava os lobos – Mas é bom eu pelo menos colocá-los em um lugar só e guardá-los, né? Levantou-se, por mais exausto que estivesse, preferiu realizar o trabalho durante a noite. O fogo alto deixava o ambiente quente e aconchegante. Com muito esforço, conseguiu arrastar os lobos e reuni-los. Eram mais pesados do que se lembrava, conseguiu tirar um de cima dele com um simples empurrão, sorriu pensando, "o poder da adrenalina é surpreendente". Também organizou seu pequeno acampamento, dessa vez sem um telhado, torceu para que não houvesse chuva. _ É isso, pelo menos o fogo vai nos aquecer até de manhã. O ideal seria eu guardar essa carne toda, mas estou muito exausto para usar qualquer magia, ainda mais que sou horrível com isso, pelo menos já sou melhor que meu pai – Disse sorrindo para Gilberto - Meu pai não tem culpa, me ensinou o que sabia, a maga da família sempre foi minha mãe. Sempre que falava de sua mãe, sentia um aperto no peito e o entristecia. Ouviu histórias dela e sempre sonhou em conhecê-la. Sua morte prematura fez com que crescesse somente ligado ao seu pai, nunca reclamou, claro, seu pai sempre foi seu herói e ele sempre o amou, mas sempre quis também ter uma mãe. Verificou se o alarme estava funcionando corretamente e foi dormir, não se sentia sozinho mais, por mais que Gilberto fosse um inseto, de alguma forma ele preenchia o vazio da solidão. Caiu no sono, sonhou novamente com batalhas que nunca havia vivido, estava em um campo de batalha com diversos guerreiros, era uma sensação vivida, como se realmente já tivesse estado naquele lugar. Mas estava diferente, não se sentia em um corpo de humano, porém, antes de conseguir olhar para baixo, viu uma lança atravessando-o, acordou assustado. _ Droga, odeio esses sonhos – Olhou em volta, o fogo já estava bem mais baixo, não viu nenhum outro movimento, voltou a dormir.

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