Capítulo III - Entre sombras e lembranças

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O Sol ainda não havia nascido, mas Aiden já estava acordado. O fogo, que antes o aquecia, já estava reduzido em brasas, dando espaço para o frio adentrar suas roupas e atingir sua pele. 
Por mais quente que fosse o dia, a noite sempre carrega um frio cortante e congelante. Acordou com o vento forte batendo em seu rosto.  Abriu os olhos lentamente, olhou em sua volta,   o negro véu da noite desaparecia enquanto a aurora vinha lentamente, possibilitando olhar todo o cenário em sua volta com certa precisão.
  Enquanto o forte vento varria a terra arenosa e as cinzas da casa que ali havia sido consumida pelas chamas, pequenas fagulhas de brasa da madeira se misturavam com a poeira vermelha da terra que um dia já fora fértil e serviu de alimento para uma família feliz, pelo menos foi assim que Aiden imaginou.
   Levantou-se, colocou suas coisas em sua mochila e organizou tudo que havia de organizar.
Enquanto colocava tudo la dentro, lembrou-se de seu novo amigo. Gil estava quieto dentro do pote, parecia confortável, pelo menos era um lugar com comida, pingou algumas gotas de água que se acumularam em um canto, e o viu indo diretamente para ela.

_ Aproveite meu amigo, se cure, já estará livre – Disse enquanto inseria o pote dentro de sua bolsa. – Bom, acho que agora preciso guardar essa carne toda, já estou com preguiça, essa magia é tão chata.

Conversava sozinho enquanto analisava o local onde havia empilhado os lobos, abriu sua bolsa novamente e retirou cuidadosamente um pequeno medalhão com a forma de um corvo. Segurou firme o medalhão em sua mão esquerda, colocando-o sobre seu peito. Respirou fundo.
_ Não lembro direito como era... droga, meu pai me mataria se ouvisse isso, mas vamos la

Em torno dos corpos que estavam no chão, desenhou um círculo, preenchendo-o com símbolos que aprenderá ser símbolos élficos.
Enquanto desenhava, segurava o medalhão e buscava em suas memórias as palavras que aprendera com seu pai, lembrava ser uma língua élfica antiga, e a recitava lentamente e com cuidado para não errar.
  Todo o círculo desenhado, em um instante, começou brilhar, uma luz azul saia de céu centro, e foi indo de seu interior até sua borda, e nesse mesmo instante, todos os lobos que ali estavam, desapareceram.

Quando finalizou todo o processo, viu sua visão escurecer, uma leve sensação de como se sua pressão tivesse caído a zero e voltado ao normal. Deu dois passos para trás e caiu de costas no chão.
Em alguns segundos um filme passou em sua cabeça. Viu todo o seu treinamento que teve com seu pai, aprendendo esgrima, arquearia e magia, e ouviu claramente enquanto se via em cima de uma pequena montanha e seu pai falando em sua frente.

Seu pai não é bom com magia, mas o que vou te ensinar vai ser bem útil na sua jornada. Todo bom guerreiro precisa saber o básico da magia, mas não vou saber te ensinar como controlar sua mana, então, toma cuidado sempre que usar. Dependendo a magia, pode te deixar inconsciente por dias.

Viu seu pai ensinando-o magias mais básicas e caindo ao chão de exaustão quando emitiu três mísseis mágicos. Aiden, por mais que fosse novo, possuia mais mana que seu pai. Aprendeu que mana se aumenta com treinamento e tempo, porém mesmo assim sempre se manteve cuidadoso ao usar magias.
Em três segundos já havia voltado ao normal, se levantou lentamente retirando a terra de sua roupa.

_ Que droga, pensei que eu não iria cair. Se bem que magia de nível três é um tanto pesada, ainda mais para guardar quase uma tonelada de coisas, acho que meu pai vai ficar orgulhoso – Olhou em sua volta novamente, sorriu - Conversando sozinho no meio de um deserto, é, acho que agora posso me chamar de louco.
O sol acabara de nascer, e com ele os ventos frios se cessaram. Comeu um pedaço de pão que havia levado, tomou um pouco de água, colocou sua mochila em suas costas e saiu caminhando de volta para casa.
  Caminhou por algumas horas, o sol confortável da manhã, que antes afugentava o frio, agora queimava sua nuca.  Agora, o pequeno deserto de terra arenosa onde havia passado a noite, se transformava lentamente em uma savana atormentada pelas altas temperaturas. Se via algumas árvores baixas, típicas do bioma, que o tentavam a aproveitar suas sombras, porém a vontade de chegar em casa o tentava ainda mais.
O caminho não era fácil, mas no final varia a pena. Durante todo seu caminho, do local onde encontrou os lobos, até sua casa, terá que caminhar por dois dias. Ao menos conseguiu diminuir sua viagem em três dias sem ter que entrar na floresta, que normalmente era o único lugar possível para se encontrar caças maiores.
  Após a guerra que ocorreu na região, graças ao grande uso de magia, houve uma destruição da vida na região. Antes, a vida foi tomada pelo império Takqil, que atacou o antigo reino de Lavü que controlava o território, os longos campos de trigo foram destruídos e se transformaram em deserto, trazendo o resultado que sempre leva para seus inimigos. Comandado pelo Imperador Takquil VIII, o império não tolera a resistência de seus inimigos, e utiliza de deus magos para subjugá-los até um ponto onde não haja mais como se reerguer, aniquilando tudo. Possuem uma política rígida, não se importam com as terras estrangeiras, preferem deixá-las abandonadas do que tomá-las, por conta disso, sempre aniquilam cruelmente todos seus inimigos, deixando para trás somente um rastro de destruição e desertificação, por esse motivo, toda a linhagem dos Takquil recebem o título de Imperador das Areias.
Durante seus ataques, o fogo queimou as florestas e evaporou os lagos, e as maldiçoes de seus bruxos caíram sobre as terras para que não trouxesse mais frutos, fazendo com que os habitantes ali não pudesse mais se reerguer, fazendo com que o pequeno reino Lavü deixasse de existir, deixando uma área desértica sem domínio. Esses territórios sem líderes acabam tornando-se regiões de abrigo para os refugiados de guerra e também foras da lei, e é em um desses lugares que Aiden vive com seu pai. Uma pequena fazenda em meio a um deserto, um
pequeno local onde se consegue escapar das maldições e plantar o pouco que possível para sobreviver.  Vivem uma vida pacifica, porém, escassa, e graças a isso precisam sair para caçar nas áreas onde ainda há vida, áreas extremamente perigosas, pois por serem áreas raras, existe uma abundância de criaturas.
  O Sol já estava em seu ápice, Aiden já havia andado pela manhã toda. O que mais o perturbava não era ter que andar ou a temperatura, mas sim o tédio de estar sozinho sem ninguém para conversar.  Sempre amou se aventurar, porém, sempre achou que aventuras deveriam ser feitas em grupos. Lembrava das histórias de seu pai, os vários amigos que havia conquistado e as aventuras que se tornavam divertidas graças aos amigos que estavam com ele.
Foi conversando com o vento e com seu amigo Gil pelo caminho, como se o mesmo pudesse ouvi-lo, e se espantou quando percebeu que a presença do gafanhoto, por mais que fosse algo pífio, o animava um pouco, o considerava realmente um amigo ou algo parecido mesmo que não respondesse às suas indagações e reclamações.
  Durante toda sua viagem de ida, passou por diversos lugares e ruínas, e o local que mais adora são as ruínas da antiga Krakevia.  Uma cidade destruída há dez anos, hoje, tomada pela poeira e por algumas plantas.
Krakevia outrora fora uma cidade, não muito grande, porém muito bela. Ficava em meio às florestas, cercada por riachos com suas belas cachoeiras e lagos.  Graças aos seus habitantes, era conhecida como a cidade dos alquimistas amantes pela herbologia. Seus muros defensivos continham vinhas que subiam até o topo, fazendo com que parecessem grandes árvores, a região fértil favorecia o plantio de ervas e demais plantas, gerando jardins de flores coloridas que cercavam toda a cidade.
Por manter o contato pacífico com a natureza, Krakevia continha um grande fluxo de druidas e xamãs que iam e vinham negociar pertences naturais.
Suas casas, também construídas de pedras, continham diversos desenhos entalhados como animais, flores, histórias, formando murais parecidos como obras de artes, criando cenários únicos em meio à toda natureza glamorosa que ali existia.
Em meio à toda beleza, surgiam torres construídas dentro de árvores enormes de cinquenta metros de altura que se transformavam em casas, centros comerciais ou até mesmo centros de pesquisa mágica. Era perceptível no ar o aroma das flores que ali nasciam, o gosto dos polens flutuando chegava a boca, dando uma sensação de que tudo ali fosse doce.
Além das flores, o cheiro dos alimentos era excepcional, e espalhava pelo ar, chamando atenção de todos os glutões. A comida era um ponto forte em Krakevia, principalmente suas receitas de vegetais, uma cidade humilde, esbelta e bela, que hoje, não passa de ruínas em meio a um deserto amaldiçoado.
Aiden nunca chegou contemplar toda a beleza da cidade pessoalmente, mas ouvia atentamente às histórias de seu pai, e com sua mente fértil, imaginava como poderia ter sido incrível aquele lugar. Estava entusiasmado para chegar, o sol já estava quase se ponto quando parou para descansar e armar seu acampamento, chegaria em Krakevia quando o sol estivesse ao topo no próximo dia, e como estava adiantado em sua viagem, dessa vez iria explorar mais as ruínas, queria ver com seus próprios olhos e procurar ao menos algo das histórias que seu pai contava.
Antes de dormir, armou seu acampamento, acendeu sua fogueira, colocou seu alarme e se sentou, alimentou Gilberto, comeu seu pedaço de pão e se deitou. 
Ficou se lembrando das histórias de seu pai, estava animado para poder explorar a cidade, já que em sua primeira passagem somente passou rapidamente.  Estava focado demais em voltar quanto antes que não adentrou às muralhas, somente havia passado.  Ao mesmo tempo que estava animado, também estava um tanto ansioso, explorar Krakevia era algo que seu pai havia pedido para não fazer, já que o lugar poderia se tornar bases para bandidos foragidos.
Olhou para Gilberto, ele estava comendo as migalhas de pão que havia jogado, aparentemente estava melhorando de seu ferimento e isso contentou Aiden.

_ Você está melhorando meu amigo, que legal. Acho que quando chegarmos em casa você estará curado, talvez, isso é bom. – Dizia enquanto encarava o pote iluminado pela fogueira – Amanha vamos fazer algo que pode ser perigoso, então tente não se machucar mais, se bem que eu vou te proteger, pode ficar tranquilo.

Deitou-se olhando para as estrelas, estava confortável dessa vez, não havia o frio do deserto e o vento era refrescante. Adormeceu com imagens da antiga cidade em mente.
Acordou novamente antes do nascer do sol, a fogueira totalmente apagada já não iluminava, fazendo com que o lugar todo estivesse em escuridão, somente iluminado pela luz da lua e estrelas.
Pegou o medalhão em sua bolsa, aproximou de seu peito e disse suavemente

_ Luz.

No mesmo instante um pequeno orbe de luz surgiu ao seu lado, iluminando sua volta. Guardou todos os seus itens, colocou a bolsa em suas costas e saiu rumo à Krakevia.
Caminhou por toda a manhã e chegou como planejado, avistou as ruínas quando o sol estava em seu topo, e de longe se via, os grandes muros, destruídos, com troncos de árvores que antes deveriam ser enormes, caídos ao chão, apodrecidos e queimados.
Em volta das ruínas, a terra que antes abrigava vida de inúmeras espécies de plantas e animais, agora possui uma terra arenosa com poucas gramas que persistem em tentar sobreviver ali.
Aiden sentiu-se triste e com raiva ao mesmo tempo, ao longe, imaginava como poderia ser a antiga e próspera Krakevia, e agora encarava somente um cenário de desolação, o cenário pós-Império.
Todos esses cenários amplificavam seu ódio que tinha pela guerra causada pelo Império, pois tirou que ele um dia poderia ter tido, uma vida em um lugar próspero, amigos, uma família grande, uma mãe.  Tudo tirado pela guerra, tudo destruído pela ganância de um governante que deseja tornar-se Deus.

Caminhou em sentido à cidade, o entusiasmo que antes o deixava alegre, agora tornara-se repúdio e ódio por todo o sofrimento causado pelos monstros, causado pelo Imperador das Areias.

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