Oi, cobertor

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O amor andava sempre um passo à frente e chegava primeiro ao pôr do sol quando, sozinha, da janela de seu gabinete, no Anexo IV da Câmara Federal, Gleisi Hoffmann se permitia respirar, desconectando-se momentaneamente dos compromissos de trabalho já cumpridos em sua agenda e pensando na estrelinha que carregava consigo. Os olhos dela se mantinham no horizonte colorido, prenúncio da primavera que logo chegaria ao hemisfério Sul. Mas, em seu íntimo, perguntava-se de quais cores aquela menininha cada vez mais presente em seus sonhos pintaria o céu.

Ainda se sentia aflita, grandemente, ao pensar numa criança em sua vida, na realidade em que vivia, com as tantas tarefas que lhe cabiam politicamente, uma vidinha chegando em meio aos projetos que ela, enquanto parlamentar e mulher pública, ainda queria realizar. Apesar dos tantos desafios e percalços, era apaixonada pela política, pelos ideais que defendia. Sabia que era ela a voz de muita, muita gente. De gente que jamais estaria em Brasília, e contava com a presença dela. Ao mesmo tempo, Gleisi ia se permitindo encantar, todo dia um pouquinho mais, por aquela pequena presença em sua rotina, em seu dia a dia.

Se fechasse os olhos, a deputada podia ver as mudanças em sua sala de trabalho, os pequenos detalhes infantis misturados com suas coisas, incluindo uma mesinha com cadeira na qual a dona de pequenas mãozinhas rabiscaria um papel qualquer que ela teria entregue junto de uma caixa de giz de cera para que a criança se divertisse enquanto esperavam o fim de algum compromisso de Lindbergh e ela mesma ainda tinha que terminar a leitura de mais um lote de documentos antes de dar o expediente por encerrado.

Cada vez que seu pensamento moldava aquela estrelinha por vir, era como se um girassol lhe nascesse na alma. O tempo quase desligava, invertia-se o verbo e Gleisi tinha a sensação de que poderia alcançar o arco-íris, se quisesse, se esticasse o braço do lado de fora da janela. Imaginou como seria se as cores dançassem e sorriu pensando em João, Gabi, Luiz, Bia, Mari e Lind. Aquela estrelinha era mais um raiozinho de luz no colorido daquela família.

Estava tão concentrada imaginando aquela pequena em todos os lugares que ela já ocupava, que nem prestou atenção à porta interna se abrindo. Era nova, ligando seu gabinete ao vizinho, recém-ocupado por Lindbergh Farias após uma troca com a deputada Dandara, companheira de partido deles, de Minas Gerais.

Uma e outra nota tinham saído na imprensa a respeito daquela nova configuração dos locais de trabalho dos dois na Câmara, concretizada na última segunda-feira. Gleisi e Lindbergh, porém, não deram muita explicação por meio de suas assessorias, apenas notas curtas, minimizando o fato. Os textos dos colunistas levantavam algumas especulações sobre o partido, sobre o relacionamento que mantinham quase sempre distante dos holofotes, ou ainda sobre o fim do mandato de Gleisi à frente da presidência do PT, tudo muito distante do real motivo para aquela mudança, que possibilitava a Lindbergh estar mais próximo de sua namorada, sem que precisasse dar a volta por fora dos gabinetes, chamando uma atenção desnecessária ou passando por quem estivesse na recepção aguardando para falar com os parlamentares, muitos em busca de algo que poderia muito bem ser resolvido por seus assessores, sem o envolvimento direto de ambos.

O deputado desejava que nunca precisasse usar o acesso privativo daquela maneira, mas era também uma forma de garantir sua presença quase que imediata ao lado de sua companheira se algo acontecesse, se fosse necessário prestar algum socorro ou coisa parecida, se ela precisasse dele por qualquer motivo. Farias aproveitou a distração dela e ficou observando sua mulher a poucos passos de distância, reparando em como a luz do entardecer repousava na pele dela, deixando os contornos de Gleisi ainda mais bonitos aos olhos dele.

A presidenta do PT pareceu voltar a si quando sentiu duas mãos muito familiares lhe tocando a cintura, vagarosamente a envolvendo, enquanto seu pescoço recebia um beijo demorado e ela suspirava, deixando o corpo descansar contra o dele, fechando os olhos, entregue ao carinho, à presença do namorado.

A valsa da estrelinha por virOnde histórias criam vida. Descubra agora