Capítulo 5 parte II

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E Kara voltou para casa.

E como havia feito durante os últimos anos, naquela noite, a loira tentou não olhar para o relógio e não conseguiu. A coisa mais terrível a respeito desses aniversários, Kara havia descoberto, era a ansiedade em relação ao dia; como se você estivesse presa em um portal, como se ao reviver cada detalhe você pudesse mudar o resultado, negociar com Deus. Mas não naquela noite. Oh, ela fizera tudo aquilo, mas agora havia uma coisa a mais.

Culpa.

Culpa, porque quando ela deveria estar afogando a tristeza no uísque, e pensando apenas em Lucy, quando ela deveria certamente estar se torturando com os pensamentos sobre o que poderia ter sido, desta vez as coisas eram diferentes. Em vez disso, ela se viu de pé, perto da janela, pensando em Lena. Viu-se pensando não sobre o que poderia ter sido, mas sobre o que era.

E o que poderia ser isso?

O tempo realmente curava. As pessoas haviam dito isso a ela, e ela havia dito isso a si mesmo, mas apenas agora ela estava realmente começando a acreditar. A dor não a consumia agora, não andava mais ao seu lado constantemente, havia espaço em sua mente para outros pensamentos; então, em um dia que era normalmente passado em meio ao luto, ela acordou, tomou banho, vestiu-se, foi ao cemitério e disse a eles que os amava; sempre havia amado, sempre os amaria; mas em vez de ir para a casa dos pais de Lucy, em vez de continuar parada, ela decidiu começar de novo. Ela compareceu à reunião no banco, foi falar com o corretor de imóveis, visitou a casa novamente, fez um depósito para comprar um barco, foi para casa, viu que os girassóis estavam morrendo, regou-os, tomou outro banho e colocou um short e um top.

Ela estava indo realmente muito bem!

Até que os pais de Lucy telefonaram.

E os pais dela, em seguida.


E depois, a irmã de Lucy ligou.

E então, tudo a atingiu de uma vez. Ela tentou não olhar para o relógio, tentou não se lembrar de quando telefonara para ela do trabalho, e depois tentou se lembrar do exato tom da voz de Lucy quando ela lhe dissera que estava com dor de cabeça. Aquilo não a alertara, de jeito nenhum. Bem, na verdade tinha alertado, mas ela era médica, sua esposa grávida também era médica, e juntas, as duas poderiam ter pensado em um milhão possibilidades. Ela havia dito a Kara que era apenas uma dor de cabeça... e ela tinha dito a mesma coisa a si mesmo. "É apenas uma dor de cabeça, Kara." Só que quando ela sugerira que ela tomasse algo para aliviar a dor, em vez da negativa habitual, Lucy, que nunca tomava remédios, lhe dissera que já havia tomado dois analgésicos, e aquilo a deixara preocupada.

– Eu vou voltar para casa – ela sugerira. – Pelo amor de Deus, Kara – a voz dela soara irritada –, é só uma dor de cabeça, eu vou me deitar um pouco.

Sem dúvida, no começo da noite tudo a atingiu novamente. Ela não andou pela praia naquele dia, nem se exercitou. Ela correu. Só que a praia parecia pequena demais; ela podia ver Midvale a quilômetros de distância no pôr do sol, mas se sentia como se pudesse chegar até lá em poucos passos, que sua energia jamais se esgotaria, que poderia correr pelo resto da vida, e nunca conseguiria deixar tudo para trás. Ela não estava usando um relógio,

mas sabia a hora; sabia o segundo exato.

Ela telefonara para Lucy, mas não tivera resposta, e dissera a si mesma que ela só estava descansando. Ela correu ainda mais rápido pela praia. Seus pulmões estavam a ponto de estourar, mas ela ainda, ainda se lembrava do momento em que cruzara o jardim e tentara não correr, porque sem dúvida estava sendo tola, porque certamente não havia nada de errado, e do momento em que entrara em casa, chamando o nome dela. Eram cinco para as sete; enquanto corria, Kara sabia disso, porque de repente ela sentiu vontade de amaldiçoar o céu por ter permitido que aquilo acontecesse com elas; cinco para as sete, porque ela vira a hora no relógio da parede ao entrar na sala e vê-la ajoelhada no chão, as mãos na cabeça, apoiada no sofá.

Um pequeno milagre  (Supercorp G!P)Onde histórias criam vida. Descubra agora