4. Buddha

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Demorei mais alguns segundos para conseguir me recompor o suficiente e formar palavras como uma pessoa normal. Minhas mãos ainda se mantinham tremulas e minha respiração ainda estava um pouco descompassada, mas em uma voz fraca, consegui responder:

"Ah, oi, bom dia. Sim, aqui é o laboratório de biomecânica."

A mulher a minha frente pareceu me olhar com uma curiosidade disfarçada, mas que eu facilmente consegui perceber. Não parecia julgamento, no entanto, provavelmente apenas tentava analisar o motivo das minhas atitudes estranhas. Apertei minhas mãos juntas sobre o meu colo para disfarçar o meu nervosismo e tentei um sorriso, que tenho certeza que pareceu forçado. A expressão em seu rosto se modificou novamente e se tornou uma de resguardo, ela provavelmente estava interpretando as minhas ações de maneira equivocada, mas infelizmente não tinha muito o que eu pudesse fazer no momento.

"Certo," ela falou, ironicamente parecendo incerta. "Me chamo Rebecca e tenho uma reunião marcada com a professora Phae," ela continuou, dessa vez parecendo mais segura.

"Oh," respondi, conseguindo clarear minha mente o suficiente para recobrar minha educação. "A professora Phae está em sala de aula, mas não deve demorar muito. Se você quiser esperar por ela aqui mesmo, não tem problema," respondi, finalmente mostrando a boa educação que eu havia recebido.

Um sorriso mais reservado voltou a surgir nos lábios da mulher e ela apenas concordou com a cabeça. Vi ali, que tinha causado más impressões. E isso geralmente não me abalaria em nada, mas de maneira tão estranha quanto os acontecimentos anteriores, isso me incomodou de alguma forma.

"Obrigada. Eu vou me sentar ali, se não for problema..." ela indicou uma das cadeiras livres na área comum de estudos.

"Tudo bem. Eh, fique a vontade," foi a minha resposta.

Observei por alguns segundos a sua presença, enquanto ela se encaminhava para o outro lado da sala e foi impossível não fazer observações. Era estranho, mas eu tinha certeza que ela era a menina do posto de gasolina. Apesar de todas as incertezas que rodeavam a minha mente e todas as sensações desconhecidas que vibravam no meu corpo, essa era a única certeza absoluta.

Ela estava mais alta, seu corpo desenvolvido, seu maxilar destacado e seus cabelos estavam mais longos. Mas aqueles olhos e sorriso eram inconfundíveis para mim. No meio de tantos que eu conheci, por algum motivo o seu eu não havia esquecido tão fácil. E mesmo que minha memória falhasse, era o mesmo rosto que estava espalhado em diversos rascunhos nos meus cadernos ao longo dos anos. Mesmo quando eu não queria, às vezes eu me pegava instintivamente desenhando em sombras a imagem daquele dia.

Assim que ela se sentou, o mais longe possível de mim, seus olhos voltaram a minha direção, me fazendo virar rapidamente na minha cadeira, virando de costas a ela. Eu sabia que essa ação não tinha ajudado em nada em melhorar o que ela provavelmente estava pensando de mim, mas honestamente, eu não me preocupei com isso no momento. Apenas não estava pronta para aquele contato e as sensações que provavelmente viriam junto com ele.

Na minha tentativa de disfarce, voltei a mexer no computado a minha frente, mas tudo era apenas uma atuação, afinal nem que eu quisesse eu conseguiria me concentrar na atividade que eu antes realizava. Tudo o que eu conseguia pensar era quem era aquela menina? E por que parecia que ela tinha alguma relevância na história dessa minha vida?

Isso nunca havia acontecido antes. Eu já havia me apaixonado, sentido intensamente diversas vezes. Já tinha sentido amor profundo fraternal, já tinha sofrido perdas e me conectado com inúmeras almas, mas aquela sensação era nova, estranha e indecifrável. Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti perdida. Não havia respostas para os questionamentos em mim, porque eu não saberia nem como formular as perguntas. E pra quem as faria se conseguisse?

Com um suspiro pesado e um mantra decorado por mim em muitas vidas atrás, tentei sair da minha mente. Recitava em silêncio: "Om Muni Muni Mahamuni Shakyamuniye Svaha" (Om  e saudações ao sábio Buddha de enorme conhecimento e sabedoria. Que eu seja livre de sofrimentos e seja abençoado pela sua compaixão, amor e bondade.)

Senti meu corpo relaxar ao mesmo tempo que minha mente se transportava para um lugar de silêncio e serenidade. O ar entrava em meus pulmões e o oxigênio circulava pelo meu corpo no compasso da batida tranquila do meu coração. Por de trás das minhas pálpebras eu via os diversos mundos que já havia frequentado, mas apenas os lugares onde meu corpo se encontrava com meu espírito em equilíbrio. Aqui não havia dor, não havia medos, não havia dúvidas.

"Om Muni Muni Mahamuni Shakyamuniye Svaha,"  repeti pela última vez em um sussurro, me sentindo de volta em mim mesma.

Eu estava tão acostumada a usar da meditação para fugir da minha realidade, que nem percebi a movimentação na sala atrás de mim. Durante o meu processo de fuga, a professora Phae havia entrado na sala e havia começado a conversar com a mulher chamada Rebecca e elas provavelmente estavam tentando chamar a minha atenção fazia algum tempo, porque fui despertada do meu mundo particular, com um toque em meu ombro. Praticamente pulei de susto e me deparei com os dois rostos me encarando de maneira preocupada.

"Ei, tudo bem aí, Freen?" a professora falou, retirando sua mão do meu ombro. "Me desculpe, eu não quis assustá-la."

"Não, professora, eu quem me desculpo. Eu só estava distraída," respondi, tentando disfarçar o rubor presente em minhas bochechas. A mais velha me sorriu de maneira gentil.

"Eu só queria lhe apresentar a nova aluna estrangeira do nosso programa, Khun Rebecca," a mulher continuou, agora voltando seus olhos para a outra ocupante da sala, aquela a qual eu ainda evitava encarar. "Ou como ela prefere ser chamada, Becky."

"Prazer, Khun Rebecca," falei a olhando rapidamente antes de desviar meu olhar, evitando propositalmente o apelido.

"Becky, essa é Khun Freen, ou P'Freen, para você, no caso," continuou a orientadora, parecendo não notar o clima desconfortável que pairava no ar. "Freen será sua coorientadora na sua dissertação de mestrado. Ela é uma das minhas melhores alunas e tenho certeza que cuidará muito bem de você."

As suas palavras me pegaram tão de surpresa que acabei encarando involuntariamente aqueles olhos castanhos. E não inconsistente com as nossas interações até então, pude ver claramente a sua dúvida em relação as palavras da professora Phae.

É, nem Buddha me faria escapar dessa situação.

Notas da autora:

Boa noite, bebê. Como estamos?

Segunda interação FB hahahha. Awkwaaaaard.

Espero que gostem e até o próximo!

Destiny SeekerOnde histórias criam vida. Descubra agora