2. Time is a bitch

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A vida era pacata em Khlong Takrao, Taiândia. A cidade de apenas 27.400 habitantes tinha seu charme, apesar de não possuir grandes e belos templos, ou praias bonitas como as cidades ao redor, o cenário rústico e humilde faziam dela um lar. Eu era contente naquele lugar.

Eu e minha mãe vivíamos em uma casa simples próximo ao único posto de gasolina da cidade. Eu estava no último ano da escola, enquanto minha mãe trabalhava como cozinheira em um restaurante perto do rio. Nos últimos meses ela havia começado a trabalhar ainda mais turnos, tentando arrecadar todo o dinheiro possível para que eu pudesse ir estudar em Bangkok no ano seguinte.

Geralmente, eu tentava disfarçar meus conhecimentos acumulados, sabendo por experiência das consequências de usá-los de uma forna inapropriada. Eu tinha aprendido na pele que era muito melhor viver uma vida mais próxima ao normal possível, mas dessa vez eu havia quebrado essa regra, e me dedicado ao máximo para conseguir uma bolsa de estudos em uma boa faculdade na capital. Isso porque eu podia ver a luta no corpo cansado de Sunee, minha mãe, e eu faria de tudo para facilitar suas cargas.

Apesar da bolsa de estudos, no entanto, a mudança para Bangkok ainda requeria muitos fundos, e apesar de eu ter oferecido em fazer mais turnos como caixa no posto de gasolina, onde eu trabalhava algumas vezes na semana, minha mãe havia sido completamente contra. Ela acreditava que eu deveria focar em meus estudos, mesmo que claramente eu não precisasse disso. Eu tentei várias vezes mudar sua forma de pensar, mas era tema vencido, logo me restava aceitar.

Foi num turno desses de trabalho, no entanto, que tudo mudou.

Lembro de estar escorada no balcão da loja de conveniência, folheando uma revista qualquer quando o sino da porta alertou a chegada de novos clientes. Levantei meus olhos para observar a minha nova companhia e me deparei com um homem branco, alto e de cabelos levemente grisalhos. Ele claramente era estrangeiro, e isso se comprovou quando ele abaixou sua cabeça para falar em inglês com uma garota. 

"What would you like, honey?" seu sotaque britânico deixou claro suas origens. (O que você vai querer, querida?)

"Milk tea, daddy!" a menina falou de maneira animada e infantil. A doçura de sua voz misturada com seu sorriso grande e as pequenas covinhas em suas bochechas me fizeram sorrir. (Chá com leite, papai!)

Os dois, então, se aproximaram de mim no balcão e o mais velho pediu, em um tailandês bastante enrolado por um milk tea, dois cafés e uma água. Eu me virei para preparar seu pedido e pude ouvir que o pai e a filha continuavam uma conversa animada. A menina perguntando o que mais eles veriam naquela viagem e seu pai informando que estavam indo em destino aos templos budistas, que eu sabia que ficavam na cidade vizinha.

Terminei rapidamente de preparar seu pedido e me virei para entregar os mesmos, quando senti aqueles pequenos olhos em mim. Um sentimento estranho ultrapassou meu corpo como um choque e eu agradeci mentalmente, que o homem já havia pego os itens da minha mão, porque tinha grande chances de eu derrubá-los.

Meus olhos grudaram brevemente nos olhos castanhos da menina do outro lado do balcão e eu, em todas as minhas inúmeras vidas, nunca havia sentido algo assim.

"Obrigado," a voz do homem quebrou o contato entre nossos olhos. 

"Eu que agradeço," respondi, o saudando educadamente com minhas mãos juntas em frente ao meu rosto.

O homem sorriu antes de chamar pela menina e se encaminhar para fora da loja, meus olhos seguiram os dois de maneira curiosa. Minha mente ainda extremamente confusa com o que tinha acontecido alguns segundos antes.

O sino da porta mais uma vez tocou, mas antes da porta se fechar, a menina parou e se virou em minha direção. Seus olhos castanhos ainda brilhavam a mesma inocência de antes e seu sorriso ainda trazia as pequenas covinhas em suas bochechas.

"Tenha um bom dia na ka," ela falou antes de finalmente sair da loja atrás do seu pai. Não me dando nem tempo de respondê-la.

Meus olhos seguiram os dois até uma SUV preta, onde uma mulher e um garoto os aguardavam escorados. Acompanhei enquanto a pequena família entrava no carro e meus olhos os seguiram até que o carro finalmente fugiu da minha vista.

A sensação estranha ainda batia ritmada dentro do meu peito, no entanto. Era um misto de sentimentos que eu não sabia decifrar, a única coisa que parecia clara era um sentimento de deja vu, o que para mim é muito estranho, afinal, muitos creem que deja vu seja uma sensação de reviver algo similar ao que já se tenha vivido em outras vidas. Só que eu não precisava ter deja vu, porque eu tinha a memória real de todas as minhas outras vivas. 

Balancei a minha cabeça em negação, tentando recobrar a clareza dos meus pensamentos e soltei um suspiro cansado. Aquilo tinha sido provavelmente alguma coincidência estranha. Que influência teria uma menina estrangeira de dez ou doze anos na minha existência? Eu provavelmente nunca mais a veria. É, era uma coincidência qualquer. Eu já havia desistido muito tempo atrás de buscar respostas que eu nunca teria. Só o que me restava era viver um dia de cada vez, uma vida de cada vez.

Com outro suspiro de resignação, eu voltei a me apoiar no balcão com o cotovelo sobre a superfície e o meu rosto em minha mão, eu retornei a passar as páginas da velha revista. Esse era só mais um dia, de muitos outros. Infinitos outros.

"Time is a bitch," resmunguei para mim mesma. "A real bitch." (Acho que dispensa traduções haha.)

Notas da autora:

Boa noite, bbs. Como estamos?

Obrigada pelos comentários e apoio até agora. Espero que continuem gostando do rumo dessa história. Já tenho muitos planos e estou bem animada hahahha.

Espero que gostem e até o próximo!


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