Capítulo 1:Vim morar com cês.

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O cheirinho do café adentra minhas narinas. Os ventos invadem o pequeno cômodo. Uma lembrança repentina, do que acontecerá, deixa uma angústia em meu peito.
Caminho rumo ao banheiro, observando cada detalhe do quarto em que vivi todo esse tempo. Tomo um banho demorado. Optei por utilizar um short moletom, com uma regata e um tênis básico.
Desço as escadas observando pela última vez a minha família reunida, como se fosse em um dia qualquer, me aguardando para tomarmos café.

-Bom dia princesa do papai, tá linda hein

Meu pai é sempre muito carinhoso comigo por eu ser a única filha mulher. Acho que mesmo quando eu estiver velha e acabada ele vai continuar me elogiando.
Nossas conversas eram breves, todos estavam abatidos com minha partida. Nossa família sempre foi unida e agora é como se um pedaço se separasse e mesmo quando voltar para o lugar não será a mesma coisa de antes. Estávamos cientes disso.
Minha mãe, a mais emotiva, começou a chorar. Logo após não sabíamos distinguir o choro de cada um só que estávamos na mesma situação.
Depois de algum tempo foi a hora da despedida. Acho que ainda não caiu a ficha, que pela primeira vez vou ficar longe da minha família e para piorar ter que encarar um lugar completamente novo e repleto de pessoas novas.

-Oia só cambada, parem com essas caras de enterro. Eu ainda não morri de morte morrida não uai.-

-Oia pra cá, tô parecendo um diamante, relaxem que eu tô tinina.- Minha voz sai tranquila, porém por dentro estou um fiasco para surtar.

Todos dão risadas ainda chorando. Meus irmãos, Tom, Sam e Joe, me chamam para o balanço debaixo da árvore à beira do lago.

-Toma aí rascunho do capeta.- Joe, meu irmão mais velho me entrega uma embalagem dourada linda. -Abra quando estiver com saudade, sô. TEM BASE UM TREM DESSE NÃO, VOU FICAR SEM MINHA IRMÃ ADOTADA.

-Tá pensando que eu sô fí de chocadeira? Hein sua bitela?

Começamos a gargalhar alto e nos abraçamos. Tom e Sam também me deram embalagens de presentes.
Meu pai me levou a caminho do aeroporto, na sua caminhonete velha, mas conservada. Fomos ouvindo minhas músicas preferidas, mas o medo de deixar tudo para trás não me permitia apreciar a linda melodia.

•••

Minha ficha finalmente caiu, e trouxe de brinde toda sensação ruim que existe, quando o avião decolou. Sempre quis fazer faculdade, todavia o medo de tudo e todos me faz duvidar se consigo algo assim.
Tenho que dividir o apartamento com três pessoas que eu nem sequer conheço e isso é assustador demais para mim.
Meu nervosismo se misturou com o medo, que a primeira viagem de avião me trouxe. Passei todo o percurso tensa e olhando pelo mapa para saber qual distância teria que nadar até chegar em terra firme.
Algumas horas se passaram, que para mim foram uma eternidade, e o avião pousou em Patter. Quando meu pés tocaram o solo do novo lugar me permiti suspirar aliviada.
A caminho do apartamento admirei o meu novo lar. Patter é uma cidade, em uma ilha, voltada para a natureza.
A maior concentração de pessoas fica na faculdade UCLA, porém não é só de estudantes que o local se mantém, mas também de um vasto comércio que movimenta a economia.
Aqui os nativos priorizam as bicicletas como principal veículo de circulação. E detalhe: a UCLA é a única faculdade da região e que abriga quase todas as formações.
Descobri tudo isso em uma das minhas pesquisas da madrugada, aqui também tem um museu incrível que quero muito visitar.
-Está entregue, senhorita Lopes - disse o senhorzinho do táxi com um grande sorriso no rosto.- Tenha um bom dia!
A cada degrau que eu subia uma nova onda de nervosismo devorava o meu corpo por inteiro. A sensação de dúvida e medo estavam cada vez mais fortes.
Paro em frente ao apartamento 103, minha nova casa. Respiro e inspiro durante um minuto na esperança de controlar a ansiedade, todavia não mudou nada.
Penso em voltar atrás e desistir de tudo, mas parece que uma flecha de determinação acertou meu coração.
Movida pelo calor do momento aperto o pequeno botão. Ouço o barulho da campainha soar, me fazendo paralisar.
Quando estou prestes a ir embora, a maçaneta começa a girar e a porta se abre lentamente. Me deparo com um menino um pouco mais alto que eu.
Seus cabelos escuros como a névoa fazem contraste com sua pele clara. Seus olhos esticados e pequenos se diferenciam de suas sobrancelhas grossas.
Sua barba é quase imperceptível, suas orelhas parecem com as de um elfo. As mãos grandes com as veias saltando passam um charme absurdo.
Ele usa um moletom preto da Nike e percebo um corte em seu dedo, que está com um curativo pequeno.

-Iai ruiva!

-Nú! Te conheço?

-Não. Aliás, quem é você?

-Prazer Isa Lopes,sô. Vim morar com cês.

-Esqueceu de tomar teu remédio foi?

-Tem base um trem desse não!

-Que presepada é essa, Lorenzo?- disse com certa irritação uma mulher extremamente linda com olhos azuis claro e cabelos loiros.- Oxente, te oriente rapaz! Num falei que vinha uma menina morar com nois?

-Iiii foi mesmo. Esqueci.

-Olá Isa, sou eu a Sabrina. Tu acertou tudo comigo. Pode entrar a casa é toda sua, o apartamento no caso.

A sola do meu tênis encontra o chão de madeira. Tudo aqui é simplesmente lindo e aconchegante. A decoração é clara com alguns detalhes em preto. As inúmeras plantas misturadas com o ambiente deixam a minha nova casa mais perfeita ainda.
Tudo parece um sonho se realizando, um sonho que desde pequena foi idealizado por mim e um sonho necessário pela minha família. A única coisa que não faz parte desse sonho é o Lorenzo.
Não sei o motivo, contudo ele me causou uma tremenda raiva que ainda está a todo vapor dentro de mim. Enquanto eu contemplava o apartamento ele não parava de me perturbar, tanto dando língua como me cutucando.

Sob o mesmo teto: Quatro paredes, quatro destinos entrelaçados.Onde histórias criam vida. Descubra agora