Os sinais

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- Por que quer tanto um filho, Agatha?

Perguntou a senhora que aparentava uns cinquenta anos, mas deveria estar a cabo de seus oitenta. Salomé era de um encanto sublime, os cabelos negros e longos combinavam perfeitamente com a pele alva e os olhos castanhos, que ornavam em junção com o corpo magro de meia estatura. Os dedos com unhas pontudas entregaram um copo a Agatha.

- Me sinto sozinha. Sou sozinha. Quem viveria ao lado de um bruxo além de outro bruxo? E eu odeio que me contrariem. Sei que não saberia lidar com um homem, seja ele como for. Não posso me casar, mãe Salomé.

- E com uma mulher? Pode arrumar uma bruxinha pra fazer companhia. Mulheres são mais fáceis de conviver.

Fez a proposta porque Agatha era jovem e bonita, de modo que não seria dificil seduzir outra bruxa tendo aqueles belos traços, apesar de certamente já ter muitos anos a mais que a sua pele juvenil denunciava.

- Seria melhor que um homem, mas ainda assim me incomoda alguém pra dar satisfação. Bruxas tendem a ser ciumentas com suas coisas, e eu sou livre demais pra aguentar uma mulher ciumenta.

- Então o problema é você, menina! Onde já se viu se sentir sozinha e não querer nada que remeta as práticas de um casal?

- Quero um filho. Um filho, mãe Salomé. Seria feliz com um filho.

- Então faça um. Ou pegue um bebê já feito. No vilarejo algumas mulheres tem mais de vinte filhos, garanto que adorariam se livrar de cinco ou seis deles.

- Não quero tirar nenhum bebê de nenhuma mãe. Tão pouco quero fazer do jeito natural, porque uma vez assim, o pai vai querer se meter, e eu quero a criança apenas para mim e em minha função.

- Faça com meu Malum então, ele não vai se intrometer, seja lá o que você quer fazer com a pobre criança.

Malum era o único filho de Salomé, ou melhor, o único bichinho de estimação. Não tinha vontade própria, e apesar dos dois metros de altura, tudo que fazia era em função da bruxa mãe. Era bonito, de fato, um homem de cor com cabelos feito algodão, como uma coroa em volta da cabeça, pena que não atraia nem um pouco Agatha.

- Fazer uma criança é sagrado, mãe Salomé. Não quero fazer algo sem vontade e que meu filho leve consequencias da má concepção pra vida.

- Não sente atração carnal por Malum?

- Não.

- Vocês já adoraram a Deusa na beira do rio, não?

- Sim, mas é diferente. Era um ritual, não estavamos tentando fazer nenhum filho. Não sinto desejo carnal por todos que faço rituais sexuais.

- Então não sei como ajuda-la, jovem.

- Sim, sabe. A senhora pode me ajudar, se quiser fazer isso. Dizem por aí que Malum veio do nada, ou melhor, dos cinco elementos, já que nada vem do nada. Dizem que a senhora o fez no meio de um pentagrama e soprou vida ao menino, igual o deus cristão fez com Adão. Quero que me ensine isso. Quero fazer meu próprio filho.

- Escute, Agatha. Não se pode mexer com o que não se entende.

- Não entendo porque não me ensina. Me ensine como devo juntar os quatro elementos e encaixar o quinto e eu farei um menino muito melhor que o próprio Malum.

- Pare com comparações bobas, criança. Vou ajuda-la se eu entender que realmente merece e é capaz de cuidar de alguém verdadeiramente. Não terá um filho normal se fizer assim, ele será dependente de você pro resto da vida, Agatha.

- Como Malum é da senhora?

- Ou talvez pior. Se fizer uma menina ela será mais independente, porém os homens tendem a precisar das mulheres pra tudo. São burros, coitados...

- Eu posso lidar com um homem dependente e burro. Tem vários bruxinhos dependentes de mim por aí, inclusive.

Falou com um sorrisinho sacana, mostrando os dentes brancos como a neve, e a alma, que era escura como a noite. Agatha se aproveitava de alguns rituais, gostava de ser o centro da adoração, representar a Deusa e deixar que todos os bruxinhos fizessem de seu corpo um templo sagrado.

- É mesmo uma das poucas que faz esse tipo de coisa de tão bom grado. A igreja chama de "prostituta do demônio".

A velha falou com sons de riso e olhos brilhantes, afinal de contas, aquele tipo de prática não era longe das que fez quando mais jovem. O que de fato surpreendia a bruxa era não saber os motivos que levaram uma moça com toda uma vida pela frente querer um filho para cuidar e se atrasar em sua evolução.

- A própria, muito prazer. Se me colocam em uma sinagoga tenho até pena dos pequenos padres...

- Agatha, Agatha... Assim vai terminar em uma fogueira antes do primeiro cabelo branco aparecer em sua cabeça.

- E que mal tem? Nosso sagrado é no fogo, mãe Salomé. Quem já foi carvão não tem medo de queimar. Mas levo comigo no minimo uns três inquisidores apaixonados, isso eu faço!

Salomé findou rindo. Aquela garota tinha mesmo uma alma livre, totalmente livre. A bruxa mais velha se via em Agatha quando tinha aquela mesma idade e somente por isso decidiu que seria boa ideia entregar a garota o feitiço pelo qual Malum tinha sido criado. Se levantou devagar e foi em busca de pegar um livro velho e empoeirado em seu baú.

- Eu escrevi. Tem vários feitiços, mas o que para você tem valor está na penúltima página. Não faça nada que vá se arrepender, Agatha.

Agatha se levantou incrédula que ganharia aquilo tão facilmente. Abriu o livro e olhou, comprovando que era o que ela queria. A felicidade instalou-se e ela agradeceu de forma tão empolgada que se jogou nos braços de Salomé e a beijou o rosto com adoração. Salomé sorriu levemente envergonhada quando a bruxinha saiu as pressas de sua casa.

- Malum está demorando muito lá fora... Onde está esse menino?

Títere (mdlb)Onde histórias criam vida. Descubra agora