Mães e filhos

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A igreja católica a cada dia mostrava-se mais perigosa, a perseguição tomava seu auge e viver nos vilarejos sendo mulher, independente de ser bruxa ou não, se tornou um constante medo. Agatha teve de fugir de casa ainda criança para se manter viva e no meio de tanta tragédia, encontrar Salomé pela floresta depois de dias vagando foi uma dádiva. Graças a esse milagre, teve a oportunidade de ser levada para um vilarejo distante onde a perseguição seria menor e assim poder ser livre para praticar a bruxaria pagã e a magia natural das curandeiras.
Agatha evoluiu rapidamente, mostrando ter dom para mexer com o místico e a capacidade para montar sua própria casa de plantas medicinais. Começou a trabalhar como curandeira por conta própria, não mais como ajudante de Salomé, e assim se tornou independente e capaz de viver sozinha. Como a saúde das pessoas era péssima, ambas conseguiam viver de curar doenças, então não havia rivalidade entre as bruxas, o que deixava Salomé livre para passar seus conhecimentos para Agatha. E por isso Títere nasceu, porque o feitiço que o criou pode ser passado como uma herança de mãe para filha. Samolé deu para a bruxinha, além de uma casa com um quintal lotado de remédios, uma criança, o que por obra do acaso ou não, tornou Agatha ainda mais parecida com a bruxa mãe.

- Olhe pra mamãe, querido.

Se encontrava sentada na cama junto de Títere, tentando a todo custo chamar a atenção dele. O menino brincava desatento, com movimentos lentos e desajustados. Aquela coisinha pequena, magérrima e de traços angelicais era o novo motivo dela existir. O segurou nos braços com cuidado enquanto observou os olhinhos se moverem lentamente para seu rosto, comprovando que naquele corpinho de madeira existia vida e que aquela vida se voltava para ela sempre que assim fosse solicitado. Títere tinha evoluído, com o passar dos dias o garotinho começou a entregar o que sua mãe pedia. Iniciou mexendo seus dedos, depois as mãos e os pés. A pele já não tinha mais aspecto de madeira, agora era borrachuda. Títere continuava lento, mas os olhinhos azuis que realçavam com os cabelos loiros ao brilharem no Sol desmanchavam qualquer relance de falta de paciência em Agatha.

- Vamos, garotinho da mamãe, quero que fale comigo. Fala com a mamãe, filho. Você está grande, precisa falar. Tem quase três anos, já é o bastante. Já esperei muito.

Ela sussurrou gentilmente com o menino sentado em seu colo, não era um tom de acusação, mas eram palavras de acusação. Era nítido o esforço que a criaturinha fazia para agradar sua criadora, podendo ser comparado com o mesmo esforço que os pecadores fazem para os céus ou que os demônios fazem para o inferno. Abriu a boca com dificuldade e tentou pronunciar o que a mãe lhe pediu.

- Ma...

- Mamãe... Diga mamãe.

Falou da forma mais didática que era capaz enquanto o polegar passeava gentilmente pelo rosto do garoto que ainda tinha pouca sensibilidade ao toque. Títere a olhou, olhinhos chorosos, sentiu uma sensação de frio na barriga, de impotência. Sofreu sozinho para tentar merecer a companhia de sua mãe. Ele sentia que não merecia.

- Ma... Ma...

Eram as palavras que saiam, abrir a boca ainda era uma tarefa muito difícil. Agatha tinha noção, via como ele tentava e se orgulhava de ter alguém disposto a sofrer por ela, por isso, e apenas por ter certeza de tal sofrimento, ela parou de insistir e abraçou o garoto. Títere apertou de leve os dedinhos no braço da bruxa, feliz por aparentemente ter agradado ela. Sim... Estava feliz. Felicidade era um sentimento novo, e ele, em sua falta de conhecimento sobre sentimentos, imaginou que seria o contrário do que ele sentia quando pensava em ficar preso para sempre no corpo de madeira ou na mamãe saindo pela porta e nunca mais voltando.

- Você é o meu menino. Eu te amo, filhinho. Mesmo que nunca consiga... Mamãe sempre estará aqui, tudo bem? Não precisa chorar.

Sussurrou com a voz carinhosa, passando as mãos vagarosamente pelos bracinhos miúdos, o que fez ele sentir novamente aquele frio por dentro. Será que as pessoas sentiam isso com toques muito próximos ao rosto? Ou a culpa do friozinho foi do sussurro no ouvido? Quem sabe ficar se tocando toda hora da calafrios? Ele não entendia nada, mas era curioso e adorava fazer o que lhe era proposto, por isso fechou os olhos e aproveitou o toque da mamãe em seu corpo.
Queria dizer que também a amava, sempre quis dizer isso, mas por nunca conseguiu pronunciar aquela ordem de fonemas, era uma sensação, e essa, não tinha tradução com palavras. Ele apenas sentia.

Títere (mdlb)Onde histórias criam vida. Descubra agora