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Um pequeno suspiro era audível na loja de conveniência, Dan inclinou-se no balcão, a ponta dos dedos passeando delicadamente na superfície fria por conta do ar-condicionado

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Um pequeno suspiro era audível na loja de conveniência, Dan inclinou-se no balcão, a ponta dos dedos passeando delicadamente na superfície fria por conta do ar-condicionado. Os olhos castanhos admirando a pouca movimentação, há poucos minutos um cliente comprou um maço de cigarros e o ambiente foi tomado pelo som do velho ar-condicionado chiando e algumas conversas enquanto dava o troco. Ergueu o olhar. “Ele é bonito” pensava, sorrindo gentilmente ao desejar uma boa noite.

O homem era alto, melancolicamente pensou que lembrava Jaekyung, mesmo que não existissem tantas semelhanças. Não, ele fedia a colônia barata e as roupas eram em tons claros, nem a voz era parecida. Dan encolheu os ombros, inclinando o corpo ao olhar os folhetos do balcão. Quando passou a trabalhar ali, não esperava que tudo pudesse melhor rapidamente. Era um processo, foi o que a terapeuta dissera. Várias consultas para chegar na conclusão de que o medo de abandono alimentava crueldade uma dependência inegável. Ela sugeria que saísse, conhecesse novas pessoas, vivesse seguindo o que queria.

Não era tão fácil.

Ainda assim, muitas noites eram passadas procurando um pouco de Jaekyung em outras pessoas, o sentimento parecia patético. A terapeuta talvez nem entendesse, mas o lutador foi a “primeira vez” de tantas maneiras. A primeira vez em que teve tanto medo, que amou tanto. Era o despertar e a melancolia, ao mesmo tempo. Como não procuraria algo dele? Seria fácil escutar que merecia algo melhor, alguém que o tocasse com delicadeza, mas como? Dan não conheceu carinho e cuidado.

Perdido no silêncio daquela nova vida, continuou ali, parado, olhando as mesas sem graça e os poucos clientes que apareciam naquele horário. A maioria universitários cansados ou algum homem de meia idade comprando cigarros ou bebida. Espiou um casal, olhá-los era como assistir um filme. Não parecia real as mãos dadas, os sorrisos, a felicidade estampada na frente de seus olhos como se o destino debochasse de si. Dan abaixou o olhar, as mãos ajeitando o avental do uniforme, sentindo a breve vontade de rir de si mesmo.

Era loucura, faziam já duas, três semana desde que foi embora. A decisão foi tomada em meio da realização de que nada mudaria e que se não fizesse nada para si mesmo, seria o fim. Pegou um dos folhetos, a expressão suavizando em um sorriso fraco nos lábios rosados, nunca havia ido antes a um dos festivais locais. Nunca tinha ido a nada que não fosse o trabalho incessante e sem perceber, apertou o papel entre os dedos. Mesmo usando todo o esforço, não recordava de nada que fosse leve sobre a forma como vivia, toda mínima decisão era tomada visando o melhor para outras pessoas.

Pensar em ir para um festival soava um pouco estúpido, ir sozinho a um festival de cinema onde sentaria sozinho e veria histórias de vidas melhores passando diante de seus olhos pareceu patético. Era um evento do Dia dos Namorados, o que ele estava pensando? Seriam diversos casais suspirando ao ver histórias de amor em uma tela de cinema. Devolveu o folheto para a pilha, detestando a dor ao peito. O que faria se fosse? Comeria pipoca e pensaria o quão injusto era ver o filme sobre uma protagonista sendo tratada delicadamente?

Fazia uma semana, talvez duas, e parecia que tinha sido ontem que entregou aquela sacola para Jaekyung. Dedos tremendo, o olhar hesitante, tentando se agarrar a alguma fagulha frívola de esperança de que ele gostasse ou reconhecesse o quanto que se esforçou. Foram horas de trabalho, se machucando e lidando com pessoas rudes. No fundo, Dan não era ingênuo em uma ilusão, entendia muito bem quem Jaekyung era, compreendia que nada nunca seria perfeito. Mas, ao menos queria fazer algo por si mesmo, poder demonstrar carinho.

Não esperava um beijo ou um sorriso aberto dizendo que amou o presente, pedir um agradecimento parecia algo impossível. Muitas vezes, Dan fumava e pensava sobre cada palavra dele, a indignação por ter sido presenteado com tanto apreço. Ergueu as mãos na altura dos olhos, as marcas estavam sumindo, era uma pena que não sumiam com todo o resto.

Afinal, o que poderia esperar? Amou Jaekyung, sentiu o calor de seu corpo, e então, a realidade veio para que soubesse que merecia mais do que toda aquela dor. Jogou o presente no lixo, temendo que um dia Joo o usasse para alguma humilhação, ter sentimentos por ele era degradante, como mergulhar em um poço de péssimas decisões.

Dan apoiou as mãos no balcão, talvez pudesse fazer o de sempre? Embora parecesse ainda mais ridículo. Não se arrependia de ter ido embora, de ter arrumado as poucas coisas que tinha e saído daquele inferno sem uma nota de despedida, não valia o esforço. Não quando Jaekyung foi firme em dizer que não eram nada. Odiou pensar em como a vida se tornou vazia, sentimentos pareciam uma fraqueza ridícula, como se todo homem fosse um Jaekyung e o mundo não tivesse cores. Manteve o olhar sobre as mesas. Aquelas pessoas mesmo sozinhas pareciam menos solitárias.

Foram semanas vivendo por si, e foi estranho.

Foi a primeira vez em que pisou em uma boate noturna, encarando luzes coloridas e música alta. Não se sentiu bem ali, parado perto do bar. Tentar seguir em frente era bem mais difícil depois de anos vivendo sob o teto do lutador, tanto que pareceu uma criança perdida em um mundo grande demais. O que faria agora? Acabou saindo daquele lugar para poder respirar, e parado no estacionamento, acabou novamente sendo perseguido por outras escolhas ruins. Em algum nível, uma parte de si estava com tanta raiva que gostaria de se livrar de cada recordação de Joo Jaekyung, de cada memória do seu calor e toque. Naquela noite, foi a primeira vez em que aconteceu.

Dan olhando algum homem qualquer que estava fumando, encostado em um carro bem diferente dos carros do lutador. O constrangimento não foi pequeno, nunca foi bom em fazer esse tipo de coisa e acabou no banco de trás do carro, desviando o olhar ao pensar que só queria encher a memória de toques que não fossem de Jaekyung. Não se orgulhava de abrir as pernas para aquele estranho, de pressionar os lábios ao reprimir um resmungo com a sensação dos dedos dele o penetrando e as palavras sujas sendo sussurradas, não abraçou aquele homem, nem o olhou nos olhos quando ele dizia “Você é tão bonito”. Dan não queria elogios, carinho, só precisava ocupar a mente com qualquer coisa e não acreditava que elogios fossem sinceros.

De fato, parecia que todo homem se tornava Jaekyung. Alguém que o tratava como algo descartável, o fodendo com força e agindo como se aquilo fosse magnífico. Aquele homem foi gentil o bastante para oferecer uma carona para casa, e Dan continuou em silêncio, mesmo quando ele apertou a coxa. “Se quiser repetir isso um dia”.

Típico.

Dan esteve perdido, com a raiva e tristeza em uma mistura perigosa. Por vezes, conhecia alguém e não recusava quando ia para o banco de trás de um carro ou um hotel barato, era o tipo de intimidade que o restava. As coisas saíram do limite e nunca pensou que acabaria daquela maneira, em uma delegacia com os hematomas no rosto. Naquele momento, jurou que não sentia nada, que só estava fazendo aquelas coisas para sentir o toque. Para sentir que estava mesmo vivo, mas a vida nunca foi muito gentil e acabou em um hotel barato, com um homem que ficou agressivo quando Dan mudou de ideia. Tudo saiu de controle e a polícia foi notificada. Dan permaneceu quieto até quando ligou para a única pessoa que acreditou que poderia recorrer.

Ainda não sabia como definir o tom da voz de Heesung, mas ele foi gentil, mandando um motorista para buscá-lo. “Claro, ele é famoso, se envolver em uma coisa dessas seria um suicídio de carreira” foi o que Dan pensou vendo só o motorista no carro, nada de Heesung. Droga, ele precisava de um amigo, os olhos marejaram ao se ver como o fardo para mais uma pessoa e pediu para que o carro parasse no meio do caminho, que iria andando.

Estava sozinho, passou a morar em um apartamento compartilhado, mas não era como se fosse alguém amigável. Passava a maior parte do tempo fumando e sozinho no quarto minúsculo. Dividia o quarto com um homem que tudo o que sabia era que tinha vários parceiros e que fumava, muito. Não existia muito diálogo.
Jihae era um tatuador e que por vezes fazia um trabalho ou outro como barman. Era alto, cabelos sempre presos, os braços cobertos de tatuagens.
Quando Jihae viu Dan pela primeira vez, encostou-se no batente da porta. “O que um rosto bonito desses faz nessa parte da cidade?”. A entrevista foi curta, Dan só deixou claro que não podia pagar muito, mas que era silencioso. “Será como se eu nem estivesse aqui”.

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