Capítulo 5 | mãe, eu estou na capa de uma revista

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Os meus sonhos estão desbotados.

Alguém acionou o filtro sépia no meu cérebro, como se a cada vez que durmo eu estivesse mais próximo do rompimento do fio tênue da minha vida. Percebo, depois de certo esforço, que estou na cozinha da minha própria casa. A disposição dos móveis, contudo, está toda errada, tal qual as cores do recinto.

Porém, é a ausência de minha mãe e Tyson que me faz perceber que estou dentro de um pesadelo. Estar de pé nessa cozinha silenciosa, sem o caos agradável de panquecas azuis sendo feitas logo cedo, ou de Tyson cantarolando alguma música infantil sobre sol e passarinhos, me dá calafrios. É como ser privado do calor das pessoas que amo.

Percy, uma voz indistinta sussurra meu nome.

Viro a cabeça e encontro uma sombra, negra como breu, atravessando o corredor em direção ao meu quarto. É claro que a sigo.

Para meu desespero, contudo, este parece ser um daqueles pesadelos nos quais jamais conseguimos alcançar nossos objetivos. Eu corro, corro, corro... Mas o corredor parece infinito. Eu nunca consigo ultrapassar o retrato que, durante anos, permaneceu pendurado torto na parede em que medíamos a altura de Tyson. Estamos os três sorrindo no retrato, ou deveríamos estar. Percebo que minha mãe está chorando, e aos poucos suas lágrimas ganham vida, transpassando o vidro que mantém a fotografia segura, inundando o corredor.

Meu menino, ela grita em sua versão presa no retrato, eu vou perdê-lo para sempre.

Suas lágrimas jorram ininterruptamente, e não consigo escapar do corredor. Rapidamente, estou submerso. Tento nadar para longe, mas quando respiro fundo, meus pulmões ardem. Não consigo respirar debaixo das lágrimas de minha mãe. Agora meu pânico alcançou um novo pico de intensidade. Eu bato os pés e os braços, meus membros exaustos, mas não adianta. Fecho os olhos, sabendo que este é o meu fim.

Então, sinto o vento tocando o meu rosto, empurrando fios de cabelo para longe dos meus olhos. Temo abri-los, mas uma voz me convence:

— Por favor, Percy.

Annabeth está ajoelhada diante de mim. Seus olhos estão marejados, mas ela parece resoluta. Então percebo que estou segurando uma espada apontada diretamente para sua garganta. Esse por favor pode significar milhares de coisas, penso.

A filha de Atena é o caminho para o sucesso, Percy Jackson, a mesma voz da sombra tenebrosa me auxilia.

Agarro a espada com determinação, e Annabeth fecha os olhos, mas...

Eu a aponto para mim mesmo.

NÃO, a voz grita, causticante.

Perfuro meu próprio peito com a espada.

Então acordo.

Estou suado, e meu coração bate num ritmo anormalmente acelerado. Também estou chorando, percebo, e não consigo imaginar o porquê. É só um pesadelo estúpido, tento aliviar minha própria consciência. É natural que a mente crie suas próprias armadilhas durante os Jogos Olimpianos, só não posso me deixar enganar por elas. O que mais me incomoda é a constatação indesejada de que Annabeth Chase parece estar em todos os lugares, física ou psicologicamente.

Enxugo minhas lágrimas, e observo que já está de manhã.

O sol cura tudo, minha mãe costuma dizer, principalmente os terrores noturnos.

Visto um uniforme esportivo que foi disponibilizado no guarda-roupas do meu chalé, e me preparo para começar este dia imprevisível.

Estamos no Acampamento Meio-Sangue, o alojamento no qual somos hospedados durante nossa adorável estadia no Monte Olimpo, onde temos, inclusive, a oportunidade de demonstrarmos nossas habilidades para os Idealizadores dos Jogos. Os chalés são dispostos em U, cada qual designado ao deus Olimpiano que é pai ou mãe dos tributos sorteados. Além dos chalés particulares, há também um prédio, completamente destoante do clima de férias selvagens do restante do acampamento, no qual os mentores são hospedados e onde iremos expor nossas habilidades para os idealizadores.

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