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Para a maioria das pessoas, chegar em casa e encontrar a mãe posando na escada com um vestido de noiva seria uma coisa estranha. Para mim, é comum.

— Oi, querido — diz minha mãe assim que passo pela porta — Que tal?

Ela se apoia no corrimão e abre um braço, os longos cachos castanhos emoldurando o rosto. O vestido de casamento e marfim, tem corte império e acabamento de flores de renda no decote. É muito bonito, mas ainda estou tão abalado que só consigo balançar a cabeça num sim silencioso.

— É para um casamento com o tema anos 70 — minha mãe explica e desce a escada para me dar um beijo — Não é lindo? Totalmente hippie.

— Hum — digo — É bonito

— Bonito? — Ela olha para mim como se eu estivesse maluco — Bonito? Esse vestido não é só Bonito, é... maravilhoso... é... divino.

— É um vestido, querida — meu pai afirma aparecendo no corredor. Ele sorri para mim e levanta as sombrancelhas. Levanto as minhas de volta. Pareço mais com minha mãe fisicamente, mas na personalidade, sou muito mais como meu pai, muito mais prático — Bom dia? — ele pergunta ao me abraçar.

— Normal — respondo, e de repente quero ter cinco anos de idade outra vez, me encolher no colo dele e pedir que ele me leia uma história.

— Normal? — Meu pai dá um passo para trás e me olha com atenção — Normal bom ou normal ruim?

— Bom — respondo, porque não quero criar mais drama.

Ele sorri.

— Que bom.

— Vai poder ajudar na loja amanhã, Pê? — minha mãe pergunta enquanto se olha no espelho do corredor.

— Claro. Que horas?

— Só por umas duas horas durante a tarde, enquanto eu estiver no casamento.

Meus pais são donos de uma empresa de organização de casamentos chamada Felizes para Sempre, e a loja fica no centro da cidade. Minha mãe abriu a empresa depois de desistir da carreira de atriz para ter minha irmã Julia, e eu. Ela é especialista em temas peculiares. E também se especializou em experimentar todos os vestidos de casamento que tem no estoque. Acho que ela sente saudade dos figurinos dos tempos de atriz.

— A que horas vamos jantar? — pergunto.

— Em uma hora, mais ou menos — meu pai avisa — estou fazendo torta de palmito.

— Ótimo — Sorrio para ele e começo a me sentir um pouco mais humano. A torta de palmito do meu pai é incrível. — Vou subir.

— Tudo bem — meus pais dizem ao mesmo tempo.

— Ah! Dá azar! — grita minha mãe e então beija meu pai no rosto.

Subo o primeiro lance de escada e passo pelo quarto dos meus pais. Quando me aproximo do quarto de Julia, ouço a batida do funk. Sempre odiei as músicas da minha irmã, mas desde que ela está na universidade eu gosto, porque significa que ela está em casa de férias. Eu sinto saudade da Julia, agora que ela não mora mais com a gente.

— Oi, Juju — chamo ao chamar pela porta do quarto.

— Oi, Pepê — ela responde.

Sigo até o fim do corredor e começo a subir outro lance de escada.

Meu quarto fica no topo da casa. É muito menor que os outros quartos, mas eu adoro esse lugar. O teto inclinado e as vigas de madeira criam um clima aconchegante, e é tão alto que consigo ver a cidade. Acendo a luz, me sento na cama e respiro fundo.

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