Estamos chegando perto dos elevadores de serviço quando João para.
— Desculpa, esqueci de dizer uma coisa pra minha mãe. Já volto.
Enquanto ele volta correndo para a cozinha, minha cabeça começa a fazer aquela coisa de compor automaticamente um tweet: "Pedro Tofani está a caminho da rua das noivas com um paulista muito fofo que parece ter saído de um filme" Balanço a cabeça e dou risada.
— Pronto, vamos — Jão volta com um sorriso no rosto e me oferece algo. Um mini bolo. Ele trouxe dois, um em cada mão — Ela nem vai perceber que tem dois a menos — diz sorrindo — Podemos ser os testadores oficiais da comida de Catarina. Ninguém vai querer que as pessoas caiam duras, evenenadas no meio do casamento, certo?
— Não, definitivamente não — Dou uma mordida no bolo, e é tão leve e fofo que praticamente derrete na boca — Uau!
Jão assente.
— Sim, Catarina faz os melhores bolos de São Paulo, talvez do mundo — ele chama o elevador — Então, qual foi a coisa mais divertida que já aconteceu com você?Olho para ele com um ar confuso.
— Oi?João ri.
— Ai, cara, seu sotaque é muito fofo — O elevador chega e entramos na cabine — Qual foi a coisa mais divertida que já aconteceu com você? — ele repete a pergunta.— Como assim? A mais divertida de todas?
— É.
Não consigo pensar em nada. Quando o elevador começa a descer é como se alguém fizesse uma contagem regressiva: 20,19,18.. Qual foi a coisa mais divertida que já aconteceu comigo? 17,16,15... Uma resposta surge em minha cabeça, e eu estou tão desesperado para dizer alguma coisa que falo sem pensar:
— O dia do mistério mágico!— Quê? — Jão olha para mim.
— O dia do mistério mágico — resmungo, olhando fixamente para o painel do elevador. 10,9,8...
— O que é o dia do mistério mágico?
5,4,3
— É o dia que meus pais inventaram quando a minha irmã e eu éramos pequenos. Acontecia uma vez por ano.
O elevador chega ao subsolo e a porta se abre. Mas. Jão não se mexe.
— E o que acontecia no dia do mistério mágico?
Olho para ele. Para a minha surpresa, ele pareciam interessado de verdade.
— Bom, era sempre em um dia da semana, e a gente podia faltar na escola. Meu pai fazia um enorme bolo do mistério mágico, que comíamos no café da manhã, almoço e jantar, todas as refeições eram bolo. E a outra regra era que a gente tinha que sair na turnê do mistério mágico.
João ri.
— Como na canção dos Beatles, "Magical Mystery Tour"?— É — respondo movendo a cabeça — Meus pais pegavam um mapa, um de nós fechava os olhos e apontava para um lugar qualquer, e íamos todos nos divertir por lá.
As portas do elevador se fecham, e Jão aperta o botão para abri-las.
— O dia do mistério mágico devia ser incrível — diz com ar sonhador.
Saímos do elevador para uma enorme garagem no subsolo.
— Era — confirmo, aliviado por ele não parecer assustado com as tradições malucas da minha família — Eu adorava esse nosso segredo. Todo mundo ia trabalhar, ou ia para escola, e a gente comia bolo e vivia uma aventura. E eu adorava também que nunca sabíamos quando ia acontecer. Meus pais simplesmente nos surpreendiam.
— Tipo um Natal surpresa?
Olho para ele e sorrio.
— É. Exatamente.Ele assente e, apesar da iluminação fraca na garagem, percebo que está impressionado.
— Mas você não pode contar para ninguém — aviso — Nós sempre tivemos que jurar segredo, porque meus pais tinham que ligar para a escola e dizer que a gente estava doente.
— Primeira regra do dia do mistério mágico: você não fala do dia do mistério mágico — Jão declara num tom sério.
— Exatamente.
Ele ri.
— E vocês ainda fazem isso?Balanço a cabeça, dando risada.
— Não, faz anos que paramos. Acho que crescemos demais para essa brincadeira.— Como alguém cresce demais pro dia do mistério mágico? Para bolo e aventuras?
Continuo rindo
— Tem razão.Ele tira as chaves do bolso e aperta o chaveiro eletrônico.
— Quantos anos você tem? — ele pergunta.
— Faço dezessete mês que vem —
— Ah, eu fiz dezoito no mês passado. É claro que não somos velhos demais para bolo e aventuras.
Chegamos ao carro, e me aproximo imediatamente da porta do passageiro, enquanto Jão vai para a de motorista.
— O que você acha de fazermos o dia do mistério mágico? — ele pergunta.
— Está falando sério?
João assente.
— Já comemos bolo, agora posso te levar para uma turnê do mistério mágico em São Paulo.— Por mim, tudo bem — Digo sorrindo.
Quando vou entrar no carro, vejo um velho bloco de anotações em cima do banco. Pego o bloquinho e sento onde estava.
— Ah, eu fico com isso — Jão pega o bloco da minha mão e se acomoda no banco do motorista. Depois o guarda no porta-luvas.
"Quais segredos podem existir ali? João é um poeta?" Mas todos os meus pensamentos se calam quando vejo que já saímos da garagem.
— Você faz faculdade? — Pergunto
— Não, dei um tempo nos estudos — Jão responde balançando a cabeça.
— Como assim? Um ano de folga?
— Mais ou menos isso. Então, senhor Pedro, se você fosse um instrumento, qual seria?
Começo a perceber que Jão não é fã de perguntas comuns.
— Um instrumento?— Sim.
Um táxi passa correndo por nós na faixa interna, e meu coração para um segundo. Fecho os olhos e tento fingir que não estamos num carro, em uma avenida e que podemos morrer ali.
— Um Violoncelo — respondo, simplesmente porque esse é meu instrumento favorito.
— Faz sentido — diz João.
Abro os olhos o suficiente para olhar de lado para ele.
— Por quê?— Violoncelos são bonitos e misteriosos — Então, a coisa mais estranha acontece. O rosto de João fica muito vermelho — E você, não vai me perguntar qual instrumento eu seria? — ele diz e volta ao normal. Eu me sinto esquisito. Como se alguma coisa importante tivesse acabado de acontecer, mas eu não soubesse o quê.
— Se você fosse um instrumento, qual seria? — pergunto
— Hoje, acho que seria um trompete.
— Hoje?
— É. Eu passo por várias fases diferentes de instrumentos. Ontem eu era um bumbo, mas hoje me sinto mais um trompete.
— Entendo — digo, apesar de não entender nada — Por que um trompete?
— Por que o som do trompete é sempre muito alegre. Escuta — ele aperta um botão do sistema de som, e ouço o instrumento tocando. Não reconheço a música.
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garoto online | pejão
FanfictionPedro tem um segredo. Com o nickname Garoto Online, ele escreve um blog onde desabafa seus sentimentos sobre sua vida. Quando as coisas vão de mal a pior, sua família o leva para São Paulo, onde ele conhece João, um garoto lindo que toca violão, e c...