09.

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Estamos chegando perto dos elevadores de serviço quando João para.

— Desculpa, esqueci de dizer uma coisa pra minha mãe. Já volto.

Enquanto ele volta correndo para a cozinha, minha cabeça começa a fazer aquela coisa de compor automaticamente um tweet: "Pedro Tofani está a caminho da rua das noivas com um paulista muito fofo que parece ter saído de um filme" Balanço a cabeça e dou risada.

— Pronto, vamos — Jão volta com um sorriso no rosto e me oferece algo. Um mini bolo. Ele trouxe dois, um em cada mão — Ela nem vai perceber que tem dois a menos — diz sorrindo — Podemos ser os testadores oficiais da comida de Catarina. Ninguém vai querer que as pessoas caiam duras, evenenadas no meio do casamento, certo?

— Não, definitivamente não — Dou uma mordida no bolo, e é tão leve e fofo que praticamente derrete na boca — Uau!

Jão assente.
— Sim, Catarina faz os melhores bolos de São Paulo, talvez do mundo — ele chama o elevador — Então, qual foi a coisa mais divertida que já aconteceu com você?

Olho para ele com um ar confuso.
— Oi?

João ri.
— Ai, cara, seu sotaque é muito fofo — O elevador chega e entramos na cabine — Qual foi a coisa mais divertida que já aconteceu com você? — ele repete a pergunta.

— Como assim? A mais divertida de todas?

— É.

Não consigo pensar em nada. Quando o elevador começa a descer é como se alguém fizesse uma contagem regressiva: 20,19,18.. Qual foi a coisa mais divertida que já aconteceu comigo? 17,16,15... Uma resposta surge em minha cabeça, e eu estou tão desesperado para dizer alguma coisa que falo sem pensar:
— O dia do mistério mágico!

— Quê? — Jão olha para mim.

— O dia do mistério mágico — resmungo, olhando fixamente para o painel do elevador. 10,9,8...

— O que é o dia do mistério mágico?

5,4,3

— É o dia que meus pais inventaram quando a minha irmã e eu éramos pequenos. Acontecia uma vez por ano.

O elevador chega ao subsolo e a porta se abre. Mas. Jão não se mexe.

— E o que acontecia no dia do mistério mágico?

Olho para ele. Para a minha surpresa, ele pareciam interessado de verdade.

— Bom, era sempre em um dia da semana, e a gente podia faltar na escola. Meu pai fazia um enorme bolo do mistério mágico, que comíamos no café da manhã, almoço e jantar, todas as refeições eram bolo. E a outra regra era que a gente tinha que sair na turnê do mistério mágico.

João ri.
— Como na canção dos Beatles, "Magical Mystery Tour"?

— É — respondo movendo a cabeça — Meus pais pegavam um mapa, um de nós fechava os olhos e apontava para um lugar qualquer, e íamos todos nos divertir por lá.

As portas do elevador se fecham, e Jão aperta o botão para abri-las.

— O dia do mistério mágico devia ser incrível — diz com ar sonhador.

Saímos do elevador para uma enorme garagem no subsolo.

— Era — confirmo, aliviado por ele não parecer assustado com as tradições malucas da minha família — Eu adorava esse nosso segredo. Todo mundo ia trabalhar, ou ia para escola, e a gente comia bolo e vivia uma aventura. E eu adorava também que nunca sabíamos quando ia acontecer. Meus pais simplesmente nos surpreendiam.

— Tipo um Natal surpresa?

Olho para ele e sorrio.
— É. Exatamente.

Ele assente e, apesar da iluminação fraca na garagem, percebo que está impressionado.

— Mas você não pode contar para ninguém — aviso — Nós sempre tivemos que jurar segredo, porque meus pais tinham que ligar para a escola e dizer que a gente estava doente.

— Primeira regra do dia do mistério mágico: você não fala do dia do mistério mágico — Jão declara num tom sério.

— Exatamente.

Ele ri.
— E vocês ainda fazem isso?

Balanço a cabeça, dando risada.
— Não, faz anos que paramos. Acho que crescemos demais para essa brincadeira.

— Como alguém cresce demais pro dia do mistério mágico? Para bolo e aventuras?

Continuo rindo
— Tem razão.

Ele tira as chaves do bolso e aperta o chaveiro eletrônico.

— Quantos anos você tem? — ele pergunta.

— Faço dezessete mês que vem —

— Ah, eu fiz dezoito no mês passado. É claro que não somos velhos demais para bolo e aventuras.

Chegamos ao carro, e me aproximo imediatamente da porta do passageiro, enquanto Jão vai para a de motorista.

— O que você acha de fazermos o dia do mistério mágico? — ele pergunta.

— Está falando sério?

João assente.
— Já comemos bolo, agora posso te levar para uma turnê do mistério mágico em São Paulo.

— Por mim, tudo bem — Digo sorrindo.

Quando vou entrar no carro, vejo um velho bloco de anotações em cima do banco. Pego o bloquinho e sento onde estava.

— Ah, eu fico com isso — Jão pega o bloco da minha mão e se acomoda no banco do motorista. Depois o guarda no porta-luvas.

"Quais segredos podem existir ali? João é um poeta?" Mas todos os meus pensamentos se calam quando vejo que já saímos da garagem.

— Você faz faculdade? — Pergunto

— Não, dei um tempo nos estudos — Jão responde balançando a cabeça.

— Como assim? Um ano de folga?

— Mais ou menos isso. Então, senhor Pedro, se você fosse um instrumento, qual seria?

Começo a perceber que Jão não é fã de perguntas comuns.
— Um instrumento?

— Sim.

Um táxi passa correndo por nós na faixa interna, e meu coração para um segundo. Fecho os olhos e tento fingir que não estamos num carro, em uma avenida e que podemos morrer ali.

— Um Violoncelo — respondo, simplesmente porque esse é meu instrumento favorito.

— Faz sentido — diz João.

Abro os olhos o suficiente para olhar de lado para ele.
— Por quê?

— Violoncelos são bonitos e misteriosos — Então, a coisa mais estranha acontece. O rosto de João fica muito vermelho — E você, não vai me perguntar qual instrumento eu seria? — ele diz e volta ao normal. Eu me sinto esquisito. Como se alguma coisa importante tivesse acabado de acontecer, mas eu não soubesse o quê.

— Se você fosse um instrumento, qual seria? — pergunto

— Hoje, acho que seria um trompete.

— Hoje?

— É. Eu passo por várias fases diferentes de instrumentos. Ontem eu era um bumbo, mas hoje me sinto mais um trompete.

— Entendo — digo, apesar de não entender nada — Por que um trompete?

— Por que o som do trompete é sempre muito alegre. Escuta — ele aperta um botão do sistema de som, e ouço o instrumento tocando. Não reconheço a música.

garoto online | pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora