05.

51 10 4
                                    

A peça é apresentada sem nenhum problema. Todo mundo lembra suas falas e as recita com perfeição, e o sotaque paulista de Felipe nem soa tão ruim. Quando chega a cena em que Julieta morre, consigo até ouvir pessoas chorando na plateia.

No momento em que a cortina desce, o senhor Mendes olha para mim e sorri.

— Não foi incrível, Pê? Eles não foram ótimos? — pergunta, orgulhoso. Sorrio para ele.

— Foram brilhantes.

— Espera para tirar a foto quando o elenco todo estiver junto para o agradecimento final. Inclusive eu — Ele sussura.

Movo a cabeça numa resposta afirmativa e ligo a câmera.

Quando os atores aparecem do outro lado do palco para o agradecimento, a plateia aplaude com entusiasmo crescente, que explode com a entrada de Luiza e Felipe.

O aplauso agora é tão forte que sinto a vibração em meu corpo. Quando o elenco se alinha na frente do palco, a Luiza faz um gesto chamando o Sr. Mendes para se juntar a eles, uma cena cuidadosamente ensaiada, apesar de o professor levantar as mãos fingindo surpresa encabulada. Espero até que ele se posicione entre o elenco e então me dirigi até o palco. E, apesar de ter morrido de medo desse momento, não é tão ruim. A plateia está tão ocupada aplaudindo os atores que chego a me sentir invisível.

Até eu dar o último passo em direção ao centro do palco e o mundo virar de cabeça para baixo. Mas não é o mundo que está girando, sou eu, porque tropecei no cadarço do meu Converse e estou caindo.

Sei imediatamente que esse não é um daqueles tombos que vou conseguir disfarçar. Estou caindo depressa demais, e de um jeito que me obriga a pensar primeiro na máquina fotográfica que tenho nas mãos. Não posso quebrar ela. Não posso deixar a câmera virar mil pedacinhos no palco. Caio do jeito mais estranho possível, de cara no chão, segurando a câmera acima da minha cabeça.

Uma exclamação chocada, multiplicada por cerca de trezentos, ecoa pelo teatro. O silêncio horrível que se segue é preenchido pela minha voz interior, que pergunta: Será que foi tão ruim assim? Será que todos estão rindo de mim? Rapidamente me levanto, e saio correndo do palco, indo o mais longe possível.

Não paro de correr até chegar em casa. Entro tropeçando, ofegante. Corro para o quarto evitando todo o contato humano dentro de casa, e lá me atiro na cama. Estou tão envergonhado. Me enfio debaixo das cobertas, e tento pensar em outra coisa até pegar no sono.

Estou sonhando com uma coisa muito legal, quando, de depende, o alerta do Instagram apita. Tateio no escuro para desligar o celular, mas o apito soa de novo. E de novo. Olho para o relógio do celular. Uma da manhã. Por que tantas mensagens agora? Até que olho para baixo do relógio e vejo.

"Luiza Santos marcou você em uma publicação" diz a primeira. Todas as outras avisam que várias pessoas comentaram essa publicação — metade do elenco da peça, aparentemente. Chego a ficar enjoado quando espero o Instagram carregar. É um vídeo do elenco se curvando em agradecimento. Começo a suar frio quando me vejo entrando no palco e tropeçando. A câmera da um zoom em mim.

Esqueci completamente de que a peça seria filmada. Isso é péssimo. Todo o meu corpo formiga de horror e vergonha. O que vou fazer? Respira fundo e se acalme, digo a mim mesmo. Posso pedir para ela deletar, não posso?

Percebo que o ícone de notificações está vermelho. Tenho vinte e duas novas notificações. Dezessete pessoas já curtiram o vídeo. Eu me obrigo a ler os comentários. "Ops", Luiza escreveu no post original. Os outros comentários, são em sua maioria, pessoas rindo. Um ou outro comentário falando "Nossa, ele mereceu".

garoto online | pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora