07.

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Alguns dias depois....

Acordo olhando para os lados confuso, onde estou? Então me lembro, São Paulo. Chegamos ontem a noite, lá pelas 23 horas, viemos direto para o hotel, dormir. De repente, ouço batidas na porta.

— Pepê, está acordado?

— Sim — Respondo, e vejo Malu entrar pela porta de ligação.

— Estou acordada faz horas! — ela diz — É muita agitação, não consigo dormir.

Olho para o relógio e vejo que dormi por 12 horas. É uma proeza incrível depois de todas as noites de sono agitado em casa.

Eu e Malu conversamos sobre coisas que queremos fazer por aqui, lugares que gostaríamos de visitar, e então vamos tomar café.

Sendo sincero, acho que nada supera o café da manhã do meu pai, mas o do hotel é muito bom. Assim que terminamos de comer, eu e minha mãe vamos até a suíte onde vai acontecer o casamento, enquanto meu pai e Malu saem para conhecer a cidade. Estou muito orgulhoso e animado, já que os noivos né convidaram para fotografar o casamento.

— Mãe, que lindo! — Digo ao entrar na suíte nupcial.

— Eu sei — Ela diz sorrindo.

Os retratos nas paredes, os tapetes fofos e os móveis antigos criaram um cenário muito parecido com um filme da realeza.

Minha mãe deixa a agenda da Felizes para Sempre em cima de uma mesinha perto da porta, e instintivamente eu ligo a câmera. A agenda está do lado de um lindo abajur antigo, que parece resumir com perfeição o tema do casamento. Dou zoom para capturar as letras na capa da agenda e tiro a foto.

— Esse é o quarto onde vai acontecer o casamento — diz minha mãe, apontando as fileiras de cadeiras de bordas douradas arranjadas na frente de uma grande lareira — Depois da cerimônia os convidados serão levados para a sala de jantar, para o desjejum de casamento.

— Por que chamam de "desjejum de casamento"? — Pergunto, seguindo minha mãe para uma porta dupla do outro lado da suíte.

— Não sei ao certo. Talvez por ser a primeira refeição que eles fazem como marido e mulher?

Decido que vou perguntar para a Malu, ela deve saber.

— Uau! — As portas se abrem para um cômodo ainda maior, cheio de mesas redondas. Lustres imensos e antigos pendem o teto com lâmpadas que parecem velas. Cada mesa tem um arranjo de azevinho e rosas brancas.

— Mãe, ficou incrível!

Esperançosa, ela olha para mim
— Você acha?

— Tenho certeza.

— Olá! Olá! Ah, esse deve ser o senhor Pedro.

Vidro e vejo uma mulher entrando por uma portinha do outro lado da sala. Ela usa uma blusa rosa claro de manga curta e uma calça elegante. Aparenta ter mais ou menos a idade da minha mãe.

— Oi Catarina! — diz minha mãe — Sim, esse é o Pedro.

— Muito prazer — Catarina fala com seu sotaque paulista — Ouvi falar muito de você.

Antes que eu possa responder, ela me abraça.

— Dormiram bem? — Pergunta.

— Muito bem — Respondo.

— Acho que eu estava nervosa demais para pegar no sono — Diz minha mãe, balançando a cabeça.

Catarina olha para ela e sorri.
— Meu bem, não precisa ficar nervosa. Você está fazendo um trabalho maravilhoso. Ou, como diriam a realeza, será simplesmente esplêndido — Ela joga a cabeça para trás e ri, uma risada genuína e quente.

Existem algumas pessoas por quem você se apaixonada oficialmente segundos depois de conhecer. Catarina é uma delas.

— O Pedro vai fazer a foto dos bastidores para os noivos — minha mãe explica.

— Ótima ideia — Catarina sorri para mim — Vou começar a confeitar algumas coisas para a recepção. Pode vir comigo, se quiser, e tirar algumas fotos na cozinha.

— Seria perfeito — diz minha mãe e olha para mim — Você vai ficar bem, Pê? Preciso conferir se o uniforme dos garçons ficou pronto e serviu em todo mundo.

— Claro.

Quando minha mãe se afasta, sigo Catarina até a cozinha.
— Vamos deixar a maior parte do trabalho na cozinha para amanhã — Ela explica — Mas decidi preparar hoje os bolos para a recepção. Vou criar um chá da tarde britânico tradicional.

— Você não tem ajudantes? — Pergunto notando que a cozinha está vazia.

— Hoje não. Mas amanhã terei uma equipe de chefs — Catarina fala balançando a cabeça.

Tiro algumas fotos de Catarina trabalhando e faço um close de seu livro de receitas salpicado de farinha. Depois decido fotografar a sala de jantar. Mas saio da cozinha pela porta errada e vou parar em outro cômodo muito grande. No centro tem uma pista de dança de piso de madeira brilhante cercada por mesinhas redondas. Estou virando para sair quando ouço o acorde suave de um violão do outro lado da sala. Está escuro e só consigo ver a silhueta de alguém sentado em cima do palco.

Eu me aproximo em sencio, andando no tapete felpudo que cobre o chão em volta da pista de dança. Quando chego perto do palco, o som do violão fica mais alto e ouço alguém cantando. A voz é tão baixa que não consigo entender a letra da canção, mas a melodia é bonita e muito, muito triste. Eu me aproximo um pouco mais, até ver um garoto sentado de pernas cruzadas sobre o palco, de costas para mim, tocando violão. Ele está cercado de equipamentos. Uma bateria, um teclado e um pedestal de microfone. Tem alguma coisa tão mágica na imagem que não resisto, ligo a câmera e me aproximo um pouco mais. Ajusto o foco e tiro a foto, mas — para o meu horror — me esqueço de desligar o flash e o palco é inundado pela luz.

— Ei! — O cantor misterioso levanta assustado e se vira, cobrindo o rosto com as mãos — Como você entrou? — ele grita com um forte sotaque paulista — Quem te mandou aqui?

— Desculpa, eu não resisti. Você parecia tão... — Felizmente, consigo parar antes de passar alguma vergonha — Estou tirando fotos para o casamento que vai acontecer amanhã. Como você entrou aqui? É o cantor do casamento?

— Cantor do casamento? — Ele me olha por entre os dedos.

— É. Você está ensaiando? — Chego um pouco mais perto do palco, e ele recua um passo, como se tivesse medo de mim — Se eu fosse você, não cantaria essa música amanhã.

Ele continua imóvel, ainda cobrindo o rosto com as mãos.
— Por que não?

— Bom, não é muito adequada para um casamento. Quer dizer, é bonita, pelo menos a parte que eu ouvi, mas é muito triste, não acho que esse clima combina com o casamento. Você devia tocar algo como, sei lá, Taylor Swift. Faz sucesso nos casamentos. Ela não veio para cá?

Ele abaixa as mãos e olha para mim como se tentasse descobrir se vim de outro planeta. E, agora que consigo vê-lo melhor, estou tão chocado que não me surpreenderia se aparecesse um balão em cima da minha cabeça escrito "UAU!". Ele é o que a Maria Luisa chamaria de Gatinho do Pop: cabelo loiro, claramente pintado. Jeans, uma blusa branca, e uma jaqueta preta por cima.

— Sim, a Taylor Swift veio para cá — ele diz, mas agora sua voz é mais suave, quase como se tentasse não dar risada — Na verdade, ela fez três shows aqui em São Paulo.

— Ah, sim, é mesmo — De novo aquele sentimento de desânimo. Eu sou um problema até quando estou em São Paulo.

Mas um sentimento estranho me domina, uma sensação de força, determinação. Não vou fazer papel de idiota nessa viagem. Mesmo que não fale com mais ninguém além de Malu, minha mãe e meu pai. Mesmo que isso tenha que parar de falar com alguém como o Gatinho do Pop.

— Bom, desculpa por incomodar, e boa sorte amanhã — Digo, dando um sorriso torto e me viro para sair.

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