13. Quando Estava em 2022

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Islândia, Reykjavik

2022

Dois meses depois de ter conhecido Linda Werner, a nova vizinha, Dorothy teve a ideia de convidá-la para ir ao Blue Lagoon, uma piscina quente que servia como spa localizado em Reykjavik, capital islandesa, com o objetivo de aliviar as questões emocionais da melancólica amiga.

Naquela manhã de sexta-feira, Dory deixou Max na escola e esperou Linda no carro enquanto escutava a algumas bandas de rock islandesas que por sinal eram estranhas. Depois de cinco minutos de espera, viu Linda caminhando com uma bolsa até seu carro.

-Bom dia, -Linda cumprimentou entrando no carro.

Dory assentiu e deu partida em direção a capital que não ficava longe. Pelo contrário, ficava a 11 minutos de Garðabær, cidade onde elas moravam.

-Vejo que gosta de rock, -Linda comentou no banco do passageiro enquanto passava protetor solar no rosto.

Dory abaixou o volume.

-É eu comecei a gostar a pouco tempo, -Dory sorriu.

-Meu filho também gostava, -Linda disse meio distraída. -Acho que ele até foi uma vez em um show, mas não lembro o nome da banda.

Dory ficou em silêncio, não querendo se aprofundar no assunto do passado porque isso fugia do seu plano de levantar o astral da amiga. Todavia, Linda não estava disposta a isso já que logo que chegaram a Blue Lagoon, ela retornou ao assunto que a deixava melancólica.

-Eu lembro de uma vez que eu e as crianças decidimos ir à praia. Foi incrível, -ela disse saindo do carro e observando o movimento dos turistas no estacionamento. -Foi o dia inteiro e...

-Linda, -Dory segurou o braço da amiga e a encarou séria. -Vamos passar um dia sem falar de sua vida de antes. Viva um pouco por você.

Linda fez uma cara triste, mas assentiu. Parecia que esse seria seu maior desafio da vida; algo tão simples como não olhar para o passado parecia um pedido mais difícil do que se Dory tivesse lhe ordenado para correr nua na neve.

No fundo, Dory entendia a vizinha e sabia o que era o desejo de querer voltar no tempo. Todos têm esse tipo de sentimento às vezes, mas para Linda aquilo deixou de ser um desejo e passou a ser uma enorme necessidade. Ela queria a vida que ela tinha de volta e a solidão estava lhe corroendo.

Dory refletiu sobre isso enquanto analisava o rosto de Linda marcado pelas rugas. As duas estavam sentadas na borda da piscina, rodeadas de turistas e banhadas por um sol intenso. Cada linha no rosto de Linda era uma história ou um sentimento vivido durante 70 anos, e Dory acreditava que Linda era realmente linda tanto jovem quanto velha.

Talvez nunca tenha passado pela mente de Linda que envelhecer era uma benção. Ela estava tão imersa em seu desejo de reviver a vida boa que teve que esqueceu sua posição de privilégio. Max provavelmente nunca saberá o que é se aposentar ou ter uma vida comum; o que é olhar para trás e ver um caminho pelo qual percorreu; o que é viver a terceira idade em um país frio como a Islândia.

De repente, o sentimento de pena que Dory sentia por Linda foi substituído por intensa raiva, mas que por sorte ela não deixou evidente naquele momento. Apenas depois de buscar Max na escola ainda naquele dia que ela pôde aliviar aquela fúria quando ligou para seu pai dentro do carro.

Ela contou tudo que sentia para John e o quanto Linda estava lhe aborrecendo.

-É, -John suspirou em tom de lamentação. -Envelhecer bem é olhar para trás e ver que se voltarmos ao passado, estragaríamos tudo.

Dory encostou a cabeça no banco do carro e também suspirou.

-Não sei o que fazer pai. Ela tem um apego muito grande com crianças por causa da saudade que ela tem da maternidade. Mas te digo que Max a odeia. Sabe como ele é. Sua linguagem de amor nunca foi contato físico, -ela soltou um riso sem humor. -Só sei que se continuar a manter contato com ela, vou entrar em depressão e Max vai ter um acesso de fúria.

Dory, por reflexo, viu um movimento no retrovisor do carro e notou que Linda estava no jardim da casa da frente, colhendo flores azuis com uma tesoura. Parecia que ela estava montando um buquê. Logo em seguida, com as flores em mãos, ela foi até seu próprio carro que era uma caminhonete branca. Antes de abriu o porta-malas, ela olhou seu entorno para ver se ninguém estava por perto.

Dory abaixou a cabeça e se escondeu e apenas voltou a olhar o retrovisor depois de dez segundos.

-Dory? -John chamou no telefone. -Estou ouvindo sua respiração, o que está rolando?

Dorothy viu no retrovisor o interior da caminhonete de Linda que estava cheio de...Brinquedos?

-Dory? -John estava começando a soar preocupado. -Você está bem?

-Pai, estou vendo Linda e ela está carregando...Um berço?

A ligação ficou em silêncio por uns segundos. Dory viu Linda enfiar os brinquedos em um saco de batatas e o berço em um carrinho. Ela fechou a caminhonete e levou o carrinho para dentro de sua casa.

-Talvez ela doe tudo a uma instituição, -John sugeriu, tentando seguir o caminho racional.

-É, -Dory concordou incerta.

Mas ela ainda estava preocupada com Linda e queria saber o que significava aquele berço e todos os brinquedos que carregava. Depois de algumas semanas, Dory recebeu o convite de Linda para jantar em sua casa, o qual aceitou.

Naquela noite, Dory levou Max e aproveitou a janta que Linda ofereceu.

-Batata doce e carne de soja, -Linda mostrou os pratos na mesa. -Sou vegana.

Max que amava churrasco mostrou a língua para Linda.

-Ei, -Dory cutucou Max e o repreendeu. -Tenha modos.

-Não tem problema, -Linda sorriu, depositando as bebidas na mesa. -Crianças são assim.

Max não se importou com o olhar repreensivo de Dory e continuou a fazer careta durante o jantar, se recusando a comer. Ele estava com aparência de um garoto de sete anos e Dory agradeceu por Linda não ter notado o rejuvenescimento dele.

-Quero ir ao banheiro, -ele disse a Dory, puxando-a pelo braço, no meio do jantar.

Dory viu seu pedido como uma oportunidade para ver a casa de Linda e entender porque ela mantinha um berço e brinquedos em sua casa.

-O banheiro fica no final do corredor, -Linda apontou para a entrada do corredor. -Última porta.

A casa de Linda tinha apenas um andar, e todos os quartos ficavam naquele corredor. Era um lugar relativamente grande comparado com a casa de Dory, mas vazio e triste. A falta de vida era evidente nas sombras em excesso, o que deixava tudo medonho.

Enquanto passavam por cada porta aberta, Dory via cômodos vazios até que encontrou um próximo ao banheiro que estava todo mobiliado e decorado para um bebê.

-Ela tem filho? -Max perguntou em voz baixa. -Nunca vi ela com um bebê e ela é velha...

-Shhh, -Dory empurrou Max para dentro do banheiro e fechou a porta.

Dory não perdeu tempo e entrou no quarto escuro. Ver todos aqueles brinquedos dava medo. Ela se lembrou dos filmes de terror que assistiu e teve uma péssima sensação.

E se Linda fosse uma sequestradora de crianças?

Dory precisava ficar de olho na vizinha e em Max. Por sorte, o pequeno a odiava e nunca aceitaria uma carona de Linda.

Depois de dois minutos, Max saiu do banheiro com o barulho de descarga e viu Dory dentro do quarto.

-O que está fazendo aí? -ele ergueu a sobrancelha.

Dory disparou para fora do quarto e o puxou pelo braço, desejando se afastar de Linda antes que qualquer coisa acontecesse.

Contra o Verso [EM EDIÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora