Capítulo 8 - Monte De Esterco

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ARABELLA

Ano 7026

  Acordo no meio da noite, a cabeça explodindo de dores e o corpo duro feito uma pedra. Me levanto da cama com dificuldade e caminho até a janela, abrindo a vidraça colorida e vendo a posição da lua. Se aproximava das quatro da manhã. Tenho que ir, seria bom que eu partisse para a casa agora e chegasse cedo para o almoço, eu avisei na carta que iria hoje. É o melhor dia, porque é a folga da mamãe e na folga dela, Jhony não trabalha. Eu caminho para o armário e me troco, me enfio em uma calça de couro preto, uma camisa escura, botas e um capuz verde escuro, da mesma cor das árvores da floresta. Saio pela porta do quarto e a tranco, ando pelos corredores tapando qualquer claridade do rosto com a mão, desço as escadas e irrompo pelo salão, saindo do castelo e indo atrás de Nock em sua baia privada e cheia de mordomias.

- Oi rapaz, vamos pra casa? - Eu digo o cumprimentando e pegando sua sela, a amarro e ajusto o estribo, depois monto.

                                  ★

Já amanheceu e eu estou faminta quando vejo meu pomar favorito. Subo em cima de Nock, para alcançar uma maçã malus vermelhinha, estico os braços e a pego com um puxão, me sentando na sela novamente e a mordendo com vontade, tão doce que parece feita de açúcar. Continuamos o percurso, já é quase hora do almoço e estamos chegando em casa, porque acabei de passar disparada pela frente do sítio do velho Jean, que morreu há algumas semanas e suas vacas doentes estão morrendo, tive que correr porque o cheiro insuportável de merda bovina que saia de uma pilha de esterco na propriedade, quase maior que a casa, incendiava todo o ar ao redor e o meu nariz. O sítio ficava a poucos minutos do meu vilarejo. Continuamos cavalgando e eu avisto as casas, um sorriso invade meu rosto. Nock já sabe o caminho, ele vira para a direção certa antes que eu puxe a rédea, avisto a residência branca e decadente no final da rua, debaixo de um pé de manga que eu costumava brincar feito uma macaca com Jhony quando era criança e aquele sentimento bom de nostalgia que sempre se instala em meu coração quando volto, aparece. Jhony abre a porta antes que eu entre com o cavalo no gramado e corre em minha direção.

- Sua maluca, que carta era aquela? E aquele documento? Como você cobriu a taxa? - O moleque faz mil perguntas mais rápido do que eu posso processar alguma resposta para uma.

- Espere Jhonatan, você estava amarrado em um touco? - Eu saio de cima de Nock e o amarro a árvore. Ainda estava cedo para ela dar flores, só dava frutos no verão. Jhony me abraça e me ergue do chão, rindo e brincando comigo. Ele estava um palmo maior que eu e ficava mais forte a cada dia que passava devido ao trabalho pesado nas docas.

- Acho que você cresceu três dedos desde a semana passada. - Ele sorri, flexiona o bíceps e o observa.

- Também acho. - Jhony se refere ao braço.

- Eca. Estou falando de ALTURA, animal! - Ele revira os olhos rindo e subitamente muda para uma expressão séria.

- A mãe saiu. Foi ao mercado. Preciso falar com você. - Ah, deus.

- Algum problema com ela?

- Algum problema com nós. - Acho que a casa está para cair, de modo literal.

Caminhamos até a varanda e atravessamos a porta. O arco de mamãe não está na parede pendurado como sempre, estranho. Jogo meu capuz sob o sofá.

- Nós vamos embora para o Sul, Bella. Mamãe disse que sempre esteve farta daqui e acha que vai ser demitida do trabalho porque conforme o frio chega, o dinheiro acaba. Eu tentei falar com ela mas não mando em coisa alguma aqui, ela disse que vamos no final do outono porque é quando eles aposentam os empregados do castelo e contratam mais gente, ela insistiu que conseguiríamos um emprego no palácio por um motivo e não disse qual, falou que temos que ir porque é o único lugar que arranjaremos um serviço, porque no resto do ano eles não fazem isso e não conseguiríamos outro emprego na capital nem se fosse para limpar privadas. Ela falou também que você é uma mulher adulta e não pode obriga-la a ir se você não quiser, vai te convidar para ir, apenas. Não quer atrapalhar a vida que você acabou de estabilizar.
E eu sei que você não vai... mas que eu lhe imploro, Bella, com todo o egoísmo do mundo. Vá conosco. Você é a coisa que mais amo em minha vida e eu quero ficar aqui com você por todos os deuses que estão no céu, mas não posso abandonar nossa mãe doente, a mulher que me pôs no mundo. Eu não seria um homem, mas tenho menos capacidade ainda de abandonar você.

Dobradora de CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora