– Você demorou. – Filipe diz assim que entro no estábulo para pegar um cavalo.
Uma ruga se forma em minha testa.
– Como você me reconheceu?
Ele revira os olhos.
– Eu faço parte do plano, esqueceu? – ele responde impaciente. – Agora suba no cavalo. Já deveríamos estar bem longe daqui.
Faço o que ele manda, e rapidamente saímos do estábulo em direção aos portões do reino.
Ele vai na frente abrindo caminho, mas ninguém parece estranhar um cavaleiro do reino cavalgando com tanta pressa. As pessoas olham para mim, e é como se eu não estivesse lá.
Ao que parece, as únicas pessoas que podem me reconhecer, são meus pais, Eliot, Alfred e Filipe.
Passamos entre a multidão, e nem um ser sequer para o que está fazendo para nos olhar. Somos praticamente invisíveis.
Os cascos dos cavalos vão esmagando as pedras, até darem lugar à terra solta. Estamos nos aproximando dos portões, e meu coração vai ficando cada vez mais apertado no peito. Não sei quando vou passar por eles novamente.
Quando eles surgem, sinto como se uma corda invisível me puxasse para trás. E então, ao passar pelos portões, ela é cortada.
Mais lágrimas involuntárias escorrem pelas minhas bochechas, mas ao invés de secá-las, me permito ser fraca. Deixo que as velhas lágrimas sequem ao vento, enquanto as novas vão dando lugar. Estou me despedindo silenciosamente.
***
Quando paramos novamente, o sol já está se pondo entre as árvores. Cavalgamos por quase três horas, até finalmente encontrar um lugar bom para passar a noite.
É um amontoado de árvores no meio da floresta, com um pequeno lago ao lado. Pequenos animais se aventuram até a beira do lago para matar a sede.
– Tem certeza que esse lugar está bom para você? – Filipe pergunta pelo que deve ser a terceira vez.
Seus olhos azulados vasculham as árvores, a grama baixa, o céu, como se estivesse procurando possíveis inimigos.
Mas até agora, nosso único inimigo é a fome.
– Você precisa relaxar. – digo, e no mesmo instante ele me lança um olhar incrédulo. – É, soou ridículo. – admito, e ele confirma.
– A gente pode cavalgar mais um pouco e procurar um lugar melhor. – ele ainda parece insatisfeito, mas por mim está tudo bem.
Tendo um cobertor na mochila e algo para comer, está ótimo.
– Aqui está ótimo. – digo. – E os cavalos gostaram daqui também. – faço um gesto com a cabeça para o lado, onde nossos cavalos parecem satisfeitos com a grama.
Ele observa nossos animais por alguns segundos, e então volta sua atenção para mim. Antes que me pergunte mais uma vez se esse lugar está bom, tiro a mochila de couro das costas, e me sento no chão.
Isso parece convence-lo.
– Volto logo. – ele avisa, e então some entre as árvores.
Quando me convenço que estou sozinha, me apoio contra o tronco da árvore e solto um suspiro.
Tudo isso parece um pesadelo.
Será que se eu me beliscar vou finalmente acordar, e perceber que esse tempo todo estava deitada na minha cama?
Belisco meu braço e quase solto um grito.
Olho para onde um segundo atrás meus dedos estavam, e encaro uma grande mancha avermelhada.
Tinha esquecido do meu encontro com o troll. Mas ali está o lembrete.
Meu corpo está dolorido pela luta, e as horas de cavalgada sem pausa não ajudaram em nada.
Minhas costelas doem, meus pés latejam, minha barriga ronca, mas o pior definitivamente é o aperto no meu coração.
É difícil dizer adeus para minha casa.
– Você está bem? – Filipe pergunta, sua voz chegando antes que o próprio dono, já que ainda não o vejo.
Me ajeito na árvore como desculpa para distrair meus pensamentos. Não quero que ele saiba como realmente me sinto.
– Estou ótima. – abro um sorriso convencido.
– Você não precisa mentir pra mim. – ele aparece pelo mesmo lugar por onde desapareceu, mas dessa vez vestindo uma calça marrom, botas pretas e uma camisa de algodão azulada. Ele se livrou da armadura, o que presumo, deve fazer parte do plano. – Não importa o que faça, sempre vou achar que você é a pessoa mais durona que conheço.
Pisco perplexa. É a primeira vez em muitos anos que ele me elogia.
O Filipe serve ao Quinto Reino há quase seis anos. É uma regra que para ser um guarda do reino, a pessoa não pode ter menos que 18 anos. Então assim que completou essa idade, Filipe se apresentou. Eu tinha 13 anos quando ele foi designado para me proteger, o que nunca foi uma tarefa fácil, já que eu sempre me metia em confusões.
– Não fazia parte do meu trabalho elogiar você. – ele dá de ombros com um sorriso.
– E agora você não está mais trabalhando?
– Aparentemente, não. – ele indica as novas vestes. – Agora sou apenas um irmão, acompanhando sua irmã mais nova. – Filipe ergue uma sobrancelha divertido, mas o humor vacila por um segundo e posso ver seu cansaço.
– Eu sinto muito que esteja metido nessa. Você poderia estar descansando na sua casa, livre de qualquer pressão ou preocupação. Cuidar de mim não é uma tarefa fácil.
– Eu pedi para vir. – ele enfatiza. – É meu trabalho proteger você...por mais que sua força seja mil vezes maior do que a minha, e eu seja incapaz de matar um troll por você. Eu posso não ter sua força, mas morreria tentando protege-la.
Seu rosto demonstra tanta certeza e segurança, que sinto o peso das suas palavras sobre mim. É quase impossível respirar com tamanha lealdade e força.
O peso de ser um soldado do reino é grande.
– Eu agradeço. – respondo com total sinceridade, e torcendo para que não chegue a tanto. – Mas achei que não estivesse trabalhando. – brinco, com o pouco de humor que ainda me resta
Ele baixa a cabeça, e quando a ergue um segundo depois, está com um sorriso no rosto.
– Me pegou!

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Quinto Reino
FantasyEra uma vez, Ártelis. Um mundo mágico, onde humanos e seres místicos viviam em harmonia. Havia florestas fechadas com fadas encantadas e lagos cristalinos com belas sereias. Havia trolls, grandes, destemidos e leais, e poderosos magos que cuidava...