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Já era o fim da tarde quando paramos, e podia ser impressão minha, mas eu ainda sentia meu cérebro balançando com o cavalgar do cavalo.

Minhas costas doíam, e eu tinha quase certeza que minha bunda tinha ficado impressa nas costas do meu cavalo.

Tadinho!

Ignoro a dor pelo meu corpo, e observo a pequena hospedagem. É meio escura, mas estranhamente acolhedora. As paredes são enfeitadas com flores silvestres, e há poltronas meio gastas espelhadas pela sala principal.

Filipe está resolvendo nossa estadia, e encaro suas costas enquanto ele conversa com o dono do lugar. Ele parece relaxado, até batuca os dedos sobre o balcão.

– Vamos? – Filipe me chama e algo na sua expressão me deixa apreensiva.

A batucada significava outra coisa, então.

Eu quero perguntar o que foi, mas tenho quase certeza que a resposta não é adequada para os ouvidos dos outros. Então guardo a pergunta na mente, e me afasto da parede que estava escorada para segui-lo.

Subimos a escada em silêncio, e quando chegamos ao andar de cima, ele destranca a segunda porta à direita. Ela range em protesto.

– O que foi? – pergunto, assim que a porta se fecha atrás de nós.

Ele bufa.

– Paciência não é muito seu forte, não é?!

Não respondo, apenas faço um gesto impaciente com as mãos para que ele responda.

– Não tem um quarto vago ao lado desse. Então temos duas opções. A primeira: dividimos esse.

Hum... Nunca dividi o quarto com ninguém, e não sei se já estou pronta para isso.

– E a segunda?

– Eu fico no final do corredor. É o quarto mais próximo do seu que ainda está livre.

Essa opção me parece bem melhor.

– Mas... – ele acrescenta. – Estou aqui para protege-la, e não acho que seja uma boa ideia ficar tão distante, principalmente agora que você não pode se defender. – ele ergue as sobrancelhas, indicando ao que se refere.

– Eu sei disso. Mas também não estaria indefesa. – ergo meu punho.

Enquanto Alfred treinava minha mente, os mentores da guarda  treinavam meu corpo e minhas habilidades com armas. Ser um alvo fácil e indefeso nunca foi uma opção para os meus pais. Eles me queriam preparada para tudo. Só agora entendo o real motivo disso.

– Tem certeza? – Filipe parece realmente aflito.

– Tenho. Está tudo bem. Aproveite essa folga para descansar um pouco. Deve ser exaustivo estar sempre  alerta. Eu vou ficar bem. Prometo que chamo se precisar de ajuda.

Ele me encara por poucos segundos, até soltar um suspiro pesado.

– Tudo bem. Vou pegar a chave do outro quarto. Qualquer coisa me chame.

– Pode deixar. – garanto.

Ele caminha até a porta, mas parece hesitante em sair.

Eu entendo. Sei que estou pedindo demais dele nesse momento, mas isso é um presente tanto para ele quanto pra mim. Ele precisa descansar, e eu preciso de um momento a sós comigo mesma.

– Tenha cuidado! – ele diz, e quando assinto, ele sai do quarto.

Um suspiro  cansado me escapa, e finalmente me jogo sobre a cama. Parece que faz semanas que não vejo uma.

O colchão abraça meu corpo, quase como se tentasse me engolir.

Encaro o teto baixo. O quarto é pequeno e um pouco escuro, mas limpo. Há um espelho velho em uma das paredes, uma mesa com cadeira de madeira e uma bacia com água limpa.

Preciso lavar o meu rosto.

Levanto da cama e caminho até a bacia. Há uma barra de sabão e uma toalhinha ao lado.

Mergulho meu rosto na bacia, fantasiando estar em casa. É fácil fazer isso.

Imagino meu quarto, a cama com meu lençol felpudo e quentinho, minhas coisas, minhas roupas...a minha antiga vida.

A vontade de chorar vem com tanta força, que não me admiraria se minhas lágrimas estivessem se misturando à água da bacia.

Eu sinto falta de tudo. Dos meus pais, do Alfred, da minha casa, até do meu irmão.

Queria poder voltar no tempo e não ter matado aquela troll. Queria ter me escondido melhor. Queria não ter saído de casa.

O som da porta rangendo me tira da melancolia.

Ergo a cabeça esperando ver o Filipe, mas estanco quando vejo um desconhecido parado na porta com uma expressão confusa.

Meu espanto dura apenas um segundo. No outro, já estou com a barra de sabão na mão e pronta para arremessá-la na cabeça dele.

– Saia! – ordeno.

Ele ergue as sobrancelhas, surpreso, e não sei se estou imaginando coisas, mas acho que tem um sorriso se formando em seu rosto.

– Calma aí, perigosa. Acho que houve um mal-entendido. – ele ergue as mãos.

– Ah, jura?! Pois agora que você constatou esse fato... Saia!

–Espera aí. Quem garante que não é você que está no meu quarto?! – o estranho semicerra seus olhos escuros para mim, quase como se estivesse me acusando.

– Eu cheguei aqui primeiro, então se alguém está no quarto errado, esse alguém é você.

Ele analisa por um segundo, e dá de ombros.

– Faz sentido!

– Saia.

Ele solta uma risada, e então prende uma mecha do cabelo escuro atrás da orelha.

– Você deveria aprender outras palavras, sabia?!

– Minha paciência está acabando. – alerto.

– Tudo bem, tudo bem. – ele se rende. – A gente se vê por aí, perigosa. – e então ele fecha a porta.

Solto o ar, e relaxo a mão.

Dois segundos depois a porta se abre novamente, e ergo a mão mais uma vez.

– A propósito...tem uma coisa chamada ferrolho. Você deveria tentar usar de vez em quando.

Minha paciência zera em menos de um segundo. E quando percebo,  já estou arremessando a barra de sabão. Ele age mais rápido e fecha a porta. O som da barra batendo contra a madeira ecoa pelo quarto.

– Quase! – ele diz do outro lado da porta.

– Na próxima vez eu não erro.

– Estou ansioso por isso. – ele diz, e posso ouvir sua risada se afastando.

O ranger da porta do quarto ao lado me intriga.

Céus! Ele é meu vizinho.

Com isso, caminho até a porta e a tranco. Apanho a barra do chão e a coloca ao lado da cama, juntamente com meu arco.

Ela é oficialmente minha nova arma.

Quinto ReinoOnde histórias criam vida. Descubra agora