PARTE I
Meu estômago revira com o estado do corpo em decomposição.
Eu estava sentado na areia, a luz da lua banhava o corpo gélido que flutuava nas águas rasas marítimas do distrito. Apesar da vastidão do mar, a profundidade daquele trecho era escassa. Aquelas águas haviam testemunhado a agonia da noite inteira. Não se passou muito tempo desde que o corpo chegara ali. A pele, outrora suave, agora estava enrugada e pálida, e a silhueta que antes era esguia agora se contorcia sob o inchaço. Não havia mais ninguém por perto. Apenas eu. Nenhum morador se atrevia a aventurar-se por aquelas paisagens distantes tão tarde.
Por que alguém se atreveria a estar tão próximo do local?
A cidade era notoriamente tranquila, o distrito um lugar pequeno e o mar momentaneamente isolado. Apesar de sua solidão, o lugar era um centro de atividade durante as semanas ensolaradas e até mesmo nas noites quentes, principalmente para os jovens. A cidade era mansa, plácida e serena, antes, agora a cidade carregava um imenso segredo.
O vento sussurrava um lúgubre lamento enquanto insistia em carregar o corpo em direção às imensas rochas e às extensas paredes de pedra ao longo da costa, perto demais do casarão. O corpo acabou preso na margem à direita do casarão, no meio da densa vegetação praiana que se estendia até o mar. Era como se a própria natureza se recusasse a permitir a passagem desse visitante inesperado. Os matinhos e as dunas, cobertas de heras, pareciam vigiar o corpo com seus galhos retorcidos. Ali, o corpo descansou.
Liguei para a polícia.
Quero vomitar, preciso vomitar.
Ela demorou para chegar com a ambulância. Não que faria grande diferença. Apesar da conservação pela água salgada do mar, havia dias que o corpo já não tinha mais vida.
Entrei junto a ambulância, chegamos em menos de 10 minutos no hospital da cidade.
Quando cheguei no hospital, estava em choque. Desloquei-me o mais rápido possível para o necrotério, para auxiliar na autópsia do corpo.
— Me sinto compelido a ajudar! — Disse ao médico legista, que assentiu. Lavei as mãos, vesti as luvas e a máscara. O local cheirava a sangue, muito sangue e entranhas.
Senti vontade de vomitar pela terceira vez desta noite.
Olhei para o corpo azulado, quase congelado pelo frio do mar, e fiz a primeira incisão.
— O que será que causou a morte? — ele perguntou curioso, me vendo fazer o primeiro corte.
— Assassinato! — foi o que quis gritar, mas não o fiz, apenas dei de ombros e continuei com o processo.
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Sinto meu nariz arder com o pó, deixando claro o caminho que percorreu. Não sou a garota que normalmente usa drogas como forma de aliviar o estresse. Não sou a garota que sempre está no banheiro cheirando nas festas. Eu não sou essa garota. Mas o tédio estava sucumbindo e me deixando letárgica. Sai do banheiro em direção às grandes escadarias de entrada ao salão principal. O aroma do espumante de alta qualidade, que envolvia minhas narinas numa ardência já insistente, preenchia o ambiente imponente e luxuoso.
Senti a euforia em queimar em meu esôfago; sinto vontade de vomitar.
O local, anteriormente abafado pelo sussurro suave de conversas intelectuais, agora se transformará em um salão de festas repleto de bebidas, petiscos e a elite local da minha cidade natal e lar por toda a vida. Apesar de não rivalizar em tamanho com São Paulo ou Rio de Janeiro, ou sequer alcançar a estatura da modesta capital gaúcha, essa cidade litorânea do sul do Brasil, com seus modestos 240 mil habitantes e alguns mais nas cidades vizinhas, tinha seu próprio encanto.
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Autópsia de Thalia
Romance+18 Ah, o velho e doce clichê... O professor arrogante e experiente, com um passado sombrio, ávido por dominar suas alunas dentro e fora da sala de aula. O Dr. Dante Alexandre Costa poderia muito bem se encaixar nesse estereótipo, se sua aluna brilh...