Capítulo 8

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— Ah! — Gritei, exausta. — Não aguento mais.

Minha respiração ofegante, a coluna envergada e as mãos apoiadas nos joelhos, em busca desesperada de ar. Eu vestia um pijama cirúrgico manchado de sangue e o jaleco amarelado pela sujeira dos procedimentos anteriores , testemunhas do caos que me envolvia.

O pátio dos fundos do hospital, reservado aos funcionários, era minha única salvação, mesmo sob o frio cortante da cidade litorânea, anunciando a chegada do inverno. Bom, na verdade, ainda era outono, mas o frio estava tanto que meu uniforme hospitalar não me protegia do gelo penetrante de ossos.

Aqui, o outono não trazia apenas folhas caídas e chuvas geladas, mas também a lembrança dilacerante do falecimento de minha mãe e avós, agora, há dois anos. Não era meu estilo marcar tragédias no calendário; preferia deixá-las se dissiparem no turbilhão das tarefas diárias, até se tornarem apenas borbulhas na superfície da memória.

Enquanto meu pai se afastava, buscando refúgio nas estradas distantes para escapar das memórias dolorosas que assombravam nossa casa, eu ficava, enfrentando o frio e as lembranças que teimam em me assombrar. Seu distanciamento só amplificou a solidão que já habitava em meu peito, deixando-me sozinha para confrontar os fantasmas do passado.

Às vezes, questionava-me se ele encontraria a paz que buscava nas paisagens desconhecidas.

Nos últimos dias, minha presença ao lado de Dante foi mais frequente que o normal. Ele pareceu perceber que algo estava errado, embora não soubesse o quê. Talvez tenha pensado que eu estava mais próxima porque meu pai não estava na cidade. Então, resolvi acompanhar um plantão de 12 horas com Dante, que se estendeu para duas cirurgias de 6 horas cada e outras atividades, totalizando mais de 24 horas de trabalho ininterrupto.

— Você está bem, Lía? — Dante perguntou, intacto apesar do longo plantão. Seus sapatos emborrachados estavam um pouco sujos de sangue, mas ele não demonstrava cansaço como eu. Seu cheiro ainda era tão agradável quanto quando saía do banho. — Tenho mais uma cirurgia e podemos ir para casa. Quer descansar na sala dos plantonistas?

— Como você está tão bem? Não dorme há mais de vinte e quatro horas? — Indaguei, perplexa.

Ele ri, uma risada abundante que faz meu coração acelerar.

— Estou acostumado.

— Vou querer participar da cirurgia.

— Certeza? Tudo bem se for comer algo, eu continuo. Você já humilhou os internos de cirurgia o suficiente.

— A culpa não é minha que eles sejam tão burros que uma caloura do ciclo básico supere eles.

— O futuro da medicina do país!

Foi minha vez de rir.

Ele me olha com aquele olhar indecifrável.

— Eu te amo. — Ele murmura, depositando um beijo delicado na minha testa grudenta pelo suor. — Mas não posso deixar você entrar na sala de cirurgia nesse estado. Vamos lá, coma algo, tome um banho relaxante e descanse um pouco. Em, no máximo, duas horas, estarei aqui para irmos embora.

— Tudo bem. — Respondi em voz baixa.

Era fácil me relacionar com Dante. Ele não era apenas uma página aberta, mas uma narrativa vívida, sempre comunicando suas necessidades de forma clara e direta. Se queria algo, ia atrás sem se questionar; se precisava de algo, não hesitava em pedir. Sua presença em minha vida era como uma âncora, uma constante.

Mas mesmo com sua presença reconfortante, eu ainda lutava em uma batalha sutil comigo mesma. A intensidade com que eu sentia algo por ele era quase avassaladora, como se cada emoção fosse uma onda selvagem, pronta para me arrastar a qualquer momento. Nunca havia sentido algo tão profundo por alguém, e isso me assustava tanto quanto me atraía.

Autópsia de ThaliaOnde histórias criam vida. Descubra agora