Capítulo 7

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PARTE II

Era estranho como alguém poderia ser tão devoto a outro alguém.

Sou rude, bruto, extremamente estressado e nada fácil de se conviver. Não sou o cara descrito como mocinho e muito menos o cara simpático. Minhas mãos são mais hábeis com bisturis do que com gestos gentis, e minha língua muitas vezes é afiada como uma lâmina. Mas, de alguma forma, Thalia via além desses defeitos, encontrando algo em mim que valia a pena amar. E isso, por si só, era uma das poucas coisas que me faziam questionar minha própria natureza.

Thalia de Hollanda é mais do que obcecada e visceral; ela é uma tempestade em um corpo humano. Cada fibra de seu ser está sintonizada com os pensamentos que a consomem, pensamentos que não são apenas seus, mas sim fragmentos de um caos interno que ela abraça como sua única realidade. Dentro dela, há um turbilhão incessante de emoções, dúvidas e desejos, todos lutando por supremacia em sua mente inquieta. Apesar desse vendaval de pensamentos sombrios que a rodeiam, Thalia consegue projetar uma serenidade enganosa para o mundo exterior.

Ela se move com graça, sua expressão frequentemente adornada com um sorriso brilhante e olhos radiantes que escondem o furacão contido dentro de si. Sua alegria aparente é uma máscara habilmente usada para esconder a turbulência emocional que ameaça consumi-la a qualquer momento.

Dentro dessa sujeira mental, Thalia encontra uma espécie de conforto. Ela não tem medo das sombras que a assombram, por saber que são parte integrante de quem ela é. Sua obsessão a mantém focada em seus objetivos, impulsionando-a a alcançar alturas que outros só poderiam sonhar. No entanto, essa mesma obsessão pode ser sua queda, levando-a a sacrificar tudo em busca de sucesso e realização pessoal.

Thalia é um paradoxo vivo, uma combinação única de paixão e serenidade, caos e controle. Ela é uma força da natureza, moldada pela tempestade que ela mesma criou, mas que ainda encontra beleza e propósito em meio ao tumulto.

E por isso sou devoto a ela.

No entanto, eu quero ser sua obsessão. Quero ser o único por quem ela acorda, por quem ela respira e por quem vive.

Quero que ela me ame tão intensamente que doa ficar longe de mim como dói para eu ficar longe dela.

Quero ser seu álcool e sua nicotina.

Quero ser seu coração e cérebro.

— Bom dia, amor.

— Bom dia, Dante. — Ela abre lentamente os olhos e um sorriso se forma em seu rosto.

Quero seu corpo e toda sua anatomia.

Acordei afogado entre os cachos de Thalia, perdido em seu perfume doce que permeia o ar ao meu redor. Inspirei profundamente, deixando-me envolver por sua fragrância irresistível. A ideia de aprisionar seu aroma em uma garrafa e espalhá-lo por toda a minha casa parece tentadora, como se cada canto pudesse ser impregnado com sua presença. No entanto, sei que seria um gesto fadado ao fracasso, pois transformaria minha morada em um santuário de lembranças, uma armadilha que me manteria cativo, perdido na nostalgia de sua essência.

Duvido muito que um dia irei me acostumar com isso, com ela ser minha.

Há mais de quatro semanas mergulhamos nesse relacionamento. Fugimos como adolescentes rebeldes, escapando furtivamente dos olhares atentos dos pais. Nossas agendas são implacáveis: eu, imerso no hospital por longas horas, enquanto Thalia se entrega à sua jornada acadêmica e aos projetos nos centros de saúde. Nossos encontros são escassos, limitados às brechas entre nossas atribuladas rotinas. Às vezes, nos reunimos nas noites livres ou nos raros domingos, quando ela inventa para Cássio que pernoitará na casa da amiga Heloíse. Uma meia verdade, pois o edifício pertence à mãe dela e a amiga reside no penúltimo andar.

Autópsia de ThaliaOnde histórias criam vida. Descubra agora