O tecido de seda era intolerável ao meu toque, parecia de qualidade inferior, conferia-me uma aparência antiquada e sufocava meu pescoço. Gravatas geralmente têm esse efeito. Sufocam, mas são símbolos patriarcais do poder. "Use uma gravata, um item de luxo, e você terá o mundo aos seus pés" foi o que o alfaiate disse. Mal ele sabe que noventa por cento do tempo eu sentia que o mundo estava sob meu controle, enquanto nos dez por cento meus pacientes morrem por complicações além de minha instância e mulheres com as quais queria transar de novo pela manhã somem de meu apartamento. É por isso que não sou fã das gravatas. Elas te deixam prepotente, e eu já sou prepotente demais para alguém que tem tantas vidas nas mãos.
Encaro a maldita enroscada em meu pescoço.
Professor...
Professor de universidade.
Um gosto amargo invade meus lábios.
— Professor de universidade aos 37 anos.
Que ironia.
Claro que já considerei a possibilidade de ser professor; é algo que atravessa a mente de todos os cirurgiões. O que farei da minha vida quando não puder mais operar? Ser professor sempre me pareceu uma ótima alternativa. Então, segui o plano mais clichê de todos, a trajetória convencional: me formar em medicina, especializar-me em anatomia e cirurgia geral, acumular títulos até a aposentadoria tardia e só então cogitar dar aulas no ensino superior. Eu fiz tudo certinho. Fiz direitinho, a porra toda. Cursei seis anos de medicina na universidade federal, participei dos trotes, das atividades esportivas, me envolvi sexualmente com muitas mulheres. Então, fiz residência, me estabilizei, tive um relacionamento sério, enfrentei plantões intermináveis, ganhei a confiança dos chefes, me tornei um cirurgião titular e completei o meu pós-doutorado. Publiquei trabalhos, tornei-me o melhor em cirurgia geral. Então, São Paulo tornou-se demasiado exaustivo, pesado demais, e eu acabei exaurido demais.
Logo, quando um velho amigo me fez a proposta de trabalhar como cirurgião em uma cidade litorânea no interior do sul do país. Um hospital pequeno, muitas apendicectomias e o brinde de ser professor no ciclo básico de medicina na faculdade da cidade. Eu aceitei.
Era ruim. Era horrível.
Mas não pior que Camilla, nunca pior que Camilla.
Quando eu estava na residência e tinha vinte poucos anos, tive uma namorada chamada Camilla, que queria ser neurocirurgiã. Obviamente não terminamos bem, afinal eu estava vivo e ela a sete palmos abaixo da terra.
A garota era errática. Se cortasse o polegar, não iria gotejar sangue, mas sim benzodiazepínicos. Certa vez, ela tomou tantos medicamentos que ficou completamente chapada e esqueceu de olhar para os dois lados antes de atravessar a faixa de pedestres ao sair do hospital. Foi atropelada e seu corpo foi parar debaixo da roda de um caminhão. A única parte de seu corpo que ficou intacta foram as mãos, que ela protegeu, para não prejudicar sua carreira na neurocirurgia. Eu, inúmeras vezes, tentei aconselhá-la a parar com os psicotrópicos, mas todo mundo os tomava, eu não era diferente. Eu não vi quando o acidente aconteceu, também não fui no velório, estava de plantão. Mas soube que os paramédicos e bombeiros disseram que se ela não tivesse protegido as mãos com o corpo, teria sobrevivido. Causa da morte: amor pela medicina.
Todos temos pessoas em que nos inspiramos no que não fazer. Camilla, minha ex-namorada é a minha. Gosto de pensar nela em momentos que me sinto insatisfeito com as escolhas profissionais que tomei.
Pelo menos não sou a Camilla. Sou professor.
Toco novamente no tecido de seda e desfaço o nó.
Pego minha bolsa e saio do carro.
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Autópsia de Thalia
Romance+18 Ah, o velho e doce clichê... O professor arrogante e experiente, com um passado sombrio, ávido por dominar suas alunas dentro e fora da sala de aula. O Dr. Dante Alexandre Costa poderia muito bem se encaixar nesse estereótipo, se sua aluna brilh...