Passava-se em Londres, num domingo à tardinha, numa tardinha como todas as outras, lúgubre e deprimente. Só o badalar dos campanários das igrejas agitava os edifícios de tijolo e as ruas sombrias e desertas. Que espetáculo desanimador para quem, procurando distrair-se, olhasse pela janela! A cidade, ao crepúsculo, parecia morta. Que acabrunhamento para os trabalhadores londrinos que, aprisionados no escuro dos seus cubículos estreitos e doentios, viam terminar em tristeza o seu único dia de descanso!
Foi nesse momento que o senhor Arthur Clennam desceu da diligência de Douvres. O passageiro, um homem de cerca de quarenta anos, de rosto grave e tisnado, entrou num café para se aquecer e instalou-se perto de uma janela. Mas depressa ergueu a cabeça para escutar o badalar ininterrupto dos campanários em torno dele, as suas queixas e os seus gemidos. E, pouco a pouco, veio-lhe à memória a recordação dos domingos sombrios da sua juventude: recordou-se dos seus temores de menino, relembrou os seus domingos no colégio, os três ofícios religiosos a que era obrigado a assistir antes de poder engolir um jantar bastante frugal, finalmente, os domingos passados em casa, na companhia de uma mãe de rosto severo e coração impiedoso, o dia inteiro refugiada nos seus livros de orações.
— Que Deus me perdoe - pensou - e perdoe aqueles que me educaram, mas como odiava aqueles dias! E eis que, passados quinze anos na China, regressava a Londres num desses horríveis domingos.
A noite ia caindo. Arthur observou, através do vidro, as sombrias casas defronte, que se assemelhavam a prisões: um rosto espreitava, ocasionalmente, por uma dessas janelas imundas e logo desaparecia, como que para não ver a chuva, que começara a cair.
O viajante abotoou a capa, pôs o chapéu e saiu. Em passo rápido, a despeito da lama e dos charcos de água suja, desceu em direção ao Tamisa por um emaranhado de ruas tortuosas, percorreu os depósitos de mercadorias existentes ao longo do cais silencioso e, algumas ruas mais longe, deteve-se em frente da casa que procurava. Era um edifício velho e isolado, de tijolo quase negro. A seguir ao alpendre, um portão enferrujado fechava o patiozinho, votado ao abandono. Muitos anos antes, a casa começara a inclinar-se para um dos lados e tinham-na escorado com um gigantesco andaime, que continuava a sustê-la menos mal.
— Nada mudou - murmurou o viajante -, sempre a mesma tristeza e desolação. E sempre aquela luz, à janela de minha mãe, como quando voltava do colégio!
Bateu. Ouviram-se uns passos arrastados e a porta foi aberta por um velhinho, descarnado e encurvado, de olhar frio e penetrante.
— Ah, Senhor Arthur, até que enfim - exclamou sem a mínima emoção. - Entre.
Arthur fechou a porta. O velho examinou-o à luz da vela.
— Está mais robusto do que antigamente, mas nunca se poderá comparar ao seu pai ou à sua mãe.
— Como vai a minha mãe?
— Mantém-se no quarto, mesmo quando não faz tenções de se deitar: em quinze anos, não chegaram a quinze as vezes que saiu.
Penetraram numa fria e tristonha sala de jantar.
— Acho que ela não vai gostar que o senhor tenha viajado no Dia do Senhor - continuou o velho com frieza -, mas, enfim, isso é consigo! Vou anunciar a sua chegada.
Afastou-se, levando a vela, andando de lado como um caranguejo e de cabeça baixa, vestido de negro e de polainas compridas.
— Como sou sentimental! - pensou Arthur que sentiu as lágrimas assomarem-lhe aos olhos perante um acolhimento tão gélido. Fora ali que passara a infância, silencioso e aterrorizado, na companhia de uns pais que nunca se haviam entendido e que se evitavam o mais possível.