Capítulo III - O BECO DO CORAÇÃO-QUE-SANGRA

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Arthur passou os dias seguintes a percorrer os ministérios, a fim de tentar esclarecer a situação financeira do senhor Dorrit. Mas recambiavam-no de porta em porta, de repartição em repartição, sem se dignarem prestar atenção ao seu caso. Uma manhã, quando saía desanimado de uma das repartições, cruzou-se, nas escadas, com dois homens e um deles, muito excitado, ralhava em voz estridente, agitando os braços. Arthur reconheceu o senhor Meagles, com quem viajara até Marselha e cuja filha, Cherry, muito o impressionara, dada a sua semelhança com Flora. Tocou-lhe ao de leve no ombro; o senhor Meagles virou-se, de rosto afogueado, e imediatamente se acalmou ao reconhecer Clennam, a quem cumprimentou calorosamente.

— Olhe-me para este indivíduo! - acrescentou, indicando-lhe o companheiro.

O indivíduo em questão, um homenzinho de cabelo grisalho e rosto ponderado, tinha, contudo, uma aparência das mais convenientes.

— Chama-se Daniel Doyce; olhe para ele, será que tem aspecto de criminoso? Ou de um inimigo público? E, contudo, é assim que o tratam nos ministérios. E sabe por quê? Porque é o mais hábil ferreiro e engenheiro que conheço Há doze anos, fez uma descoberta que seria da maior utilidade para o nosso país e para a Humanidade e não pode calcular o dinheiro e o tempo que desperdiçou com ela! Mas logo que se dirigiu ao Governo para dar a conhecer o seu invento, passou a ser considerado um malfeitor do qual é preciso desembaraçar-nos o mais depressa possível!

Arthur, que há alguns dias se familiarizara com os ministérios, compreendeu perfeitamente a situação...

— E o pior - exclamou o senhor Meagles excitando-se de novo - é que ele nem sequer se queixa!

— É evidente que me senti desiludido e penalizado - respondeu Doyce calmamente -, é muito natural. Mas sei que todos aqueles que se encontram na minha situação são tratados da mesma forma. não podia fazer nada, eis tudo.

Clennam olhou para ele e captou-lhe no rosto um certo ar envelhecido e triste. O senhor Meagles interveio:

— Vamos! Vamos! Ao fim e ao cabo, de nada servem esses ares tristonhos. Onde vai agora, Daniel - Volto para a oficina.

— E se fôssemos lá todos? Decerto o senhor Clennam não se escusará a acompanhar-nos ao Beco do Coração-que-Sangra.

— Ao Beco do Coração-que-Sangra? Mas era justamente para aí que eu ia - respondeu Arthur.

O Beco do Coração-que-Sangra, à entrada do qual se localizava a pequena oficina de Daniel Doyce, era habitado por gente pobre. os três amigos desceram os poucos degraus e seguiram pelo beco, por entre duas fileiras de portas abertas, onde se comprimiam criaturas enfezadas. Ao chegar à casa do estucador Plornish, Arthur saudou os companheiros e deixou-os, depois de ter prometido visitar em breve o senhor Meagles. Depois, penetrou no corredor e bateu à porta que lhe fora indicada. Uma mulher veio abrir, trazendo um bebé ao colo: o marido saíra à procura de trabalho, mas o cavalheiro podia entrar e esperar. Arthur sentou-se e admirou o bebé nos braços da mãe, assim como o que se encontrava no chão.

— Desculpe-me, cavalheiro, mas. O senhor vem por causa de trabalho? - perguntou a senhora Plotnish, esperançada.

Havia tanta ansiedade na sua pergunta, que se possuísse um pedaço de muro, por insignificante que fosse, o preferia mandar estucar de alto a baixo a ter que responder que não. E, todavia, foi obrigado a isso! Uma sombra de decepção veio velar o rosto da jovem mulher, enquanto ele contemplava o fogo, que se extinguia. - É assim tão difícil arranjar trabalho, minha senhora?

— Para o Plornish é difícil, seja qual for o caso. Ele tem azar, essa é que é a verdade! E, no entanto, não é por não procurar nem por não querer trabalhar.

A Pequena Dorrit (1857)Onde histórias criam vida. Descubra agora