Anunciado por passos rápidos e por uma respiração ruidosa, o senhor Pancks surgiu no escritório de Arthur Clennam. A investigação terminara, a carta fora levada ao conhecimento público. O banco fora à falência e, em seu redor, só se via ruína e devastação.
No meio dos papéis em desordem e das cartas por abrir, Arthur mantinha-se imóvel. a cabeça apoiada nos braços cruzados, prostrado e desesperado. Pancks, ao vê-lo, foi invadido pelo desânimo e apoiou, por seu turno, a cabeça nos braços.
— Fui eu quem o convenceu a fazer esse depósito, senhor Clennam, bem o sei. Diga-me tudo o que quiser. O que me disser não poderá ser pior do que aquilo que digo a mim próprio!
— Oh Pancks! pancks! Não fale assim! E eu que arruinei o meu sócio! Arruinei o Doyce! O honesto, o infatigável velho, que toda a vida trabalhou para sobreviver!
Era tão angustioso o espetáculo da sua desolação que Pancks, num gesto de desespero, começou a arrancar os cabelos.
— Censure-me - gritou Pancks -, chame-me doido, miserável, injurie-me, insulte-me, far-me-a bem!
— E dizer que ontem - replicou Clennam -, ontem, apenas, tinha a firme intenção de vender, de converter em valor monetário e de resolver o assunto!
— Senhor Clennam, investiu. investiu tudo - perguntou Pancks, hesitando penosamente.
— Tudo.
O senhor Pancks pôs-se a puxar os cabelos espetados com uma tal força, que arrancou algumas madeixas e meteu-as raivosamente no bolso.
— Tenho que tomar imediatamente uma resolução - disse Clennam, enxugando algumas lágrimas silenciosas -, tenho que reparar o meu crime o mais rapidamente possível, mesmo que deva passar o resto dos meus dias na prisão.
Nos dias seguintes, a despeito dos protestos do seu advogado, chocado com uma atitude tão incomum no mundo dos negócios, enviou a todos os credores uma carta, na qual declarava ser ele o único responsável pela falência e em que ilibava o seu sócio, o senhor Doyce. Passava para este a sua parte na casa e só guardava para ele as suas roupas, os seus livros e o dinheiro que lhe restava no bolso.
No dia a seguir ao da publicação da carta encontrou, à entrada do Beco, a senhora Plornish e o advogado.
— Senhor Clennam, não vá - suplicou a mulher do estucador. - Os oficiais de diligências aguardam-no à porta!
— Devo sofrer as conseqüências dos meus atos - respondeu ele. - Quanto mais depressa, melhor.
— Ao menos espere um pouco! - interveio o advogado. - Se o prenderem hoje, enviá-lo-ão para a Penitenciária, que é demasiado exígua e limitada.
— Preferia - respondeu Clennam - ser encarcerado na Penitenciária do que em qualquer outra prisão.
O advogado levou as mãos ao céu:
— Incrível! Mas gostos não se discutem. Vamos, então.
Ao longo do Beco dos Corações-que-Sangram olhavam-no com renovada simpatia: Clennam tornara-se um dos seus, a partir de então adquirira, entre eles, direito de cidadania. Depararam-se-lhe os oficiais de diligências à porta e subiu para o trem que o deveria conduzir até ao portão gradeado que lhe era tão familiar.
O senhor Chivery estava de serviço no cubículo e também lá se encontrava o pequeno John. Arregalaram os olhos ao verem Clennam:
— Nunca me senti tão desgostoso por o ver - disse o Chivery pai, apertando-lhe a mão.
Arthur sentou-se a um canto, aguardando que fossem concluídas as formalidades. De repente, sentiu uma mão pousar-lhe no ombro: era o pequeno John, que lhe fazia sinal para o seguir.