Capítulo Oito - "Não irei mostrar medo apenas para sobreviver"

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Ela disse: "Mortal, você é a escolhida

Você é linda, mas está quebrada

Então aguarde esse momento


E lute até você ficar sem esperanças"


O frescor da manhã é calmante.

Ingerindo um grande gole d'água, ela suspirou e tirou a franja suada de sua testa. Ocupar sua mente com treinos não estava sendo o suficiente, e por mais agradável que o clima estivesse, simplesmente não conseguia aproveitar. Algo nocivo corroía seu peito, a deixando em constante estado de desconforto. Poderia ser veneno, mas infelizmente Yashiro sabia que era algo muito pior.

Observou com uma carranca em sua face as escamas caírem de sua pele ao secar. Cada dia que seu elo com o artefato se estreitava, maior era o número de escamas. Elas subiam pelo dorso das mãos, antebraços e por vez despontavam em sua bochecha, bruxuleando com delicadeza sob a luz ambiente em tons de rosa pálido. Sentia-se uma aberração, um verdadeiro peixe fora d'água. Por que seu artefato era o único a apresentar efeitos tão aparentes? Nunca tinha ouvido falar de nada parecido. Na verdade, até um tempo atrás nem sabia da existência de colaterais como esse. Cada artefato tinha o seu próprio? Precisava tomar nota disso e perguntar a Amane mais tarde.

Amane...

Lembrar dele fez seu sangue fervilhar. Se não estivesse tão cansada, aquilo certamente seria um gatilho para fazê-la voltar ao treino. Odiava admitir, mas tem sido um inferno manter a mente organizada após essas últimas horas. Ainda sentia alguns arrepios por onde as gotículas de água pingaram das vestes dele, assim como o ar úmido e quente de suas respirações entrelaçadas. A vivacidade dessas lembranças estava a sufocando em frustrações e raiva, um fato humilhante que apenas gerava mais rancor. Amane não merecia o mérito de atrapalhar seu dia. Ele sequer deveria estar perambulando sua cabeça dessa forma. Tinha que manter o foco em estratégias produtivas para seu plano, não em maneiras de estraçalhar aquele sorrisinho irritante de deboche com suas lâminas. Yashiro era um ser racional - não deveria ceder a vontades tão primitivas. Ela poderia vingar-se mais tarde, com melhores recursos. Analisando agora, essa opção soava bem melhor.

Entretanto, bem, não tirava o fato que sua enorme lista de características indesejadas a lidar ganhara um novo item. Cínico? Ok. Irritante? Ok. Arrogante? Ok. Idiota? Ok. Inconveniente, afrontoso e pervertido? Ok, ok e ok. Uma lista à altura de um nome tão desprezível quanto o do rei dos youkais, e não poderia esperar menos. Seria questão de tempo até aquele acordo arrastá-la para as profundezas da loucura, e caso venha a acontecer, faria de tudo para puxar Amane até sua queda. Era imprudência sua ignorar tamanho discurso vindo de um sobrenatural como ele, porém resignar-se totalmente às suas ameaças apenas iria hastear sua derrota. Jamais demonstraria esse tipo de submissão. Agir com mais cautela talvez fosse a alternativa mais sensata no momento. Mas se Amane achasse que isso era o suficiente para mantê-la na linha, ela iria deixar bem claro que, enquanto estivesse sobre essas terras, ele não era rei de nada.

O tremular de sua pálpebra a fez tomar consciência de sua distração. Ficar parada enquanto deseja o pior para seu inimigo não fazia parte de seu treinamento e apenas estava a atrasando. Era apenas o primeiro período, havia mais um dia inteiro pela frente, e ela tinha que obter resultados. Tendo encerrado sua pausa, resolveu usar todos os seus sentimentos negativos como munição em seus golpes, encontrando um pouco mais de força para lutar. Não estava em seu melhor desempenho, mas ainda sim lhe rendeu alguns elogios ao final do treino.

❦ 𝐐𝐮𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐚 𝐦𝐚𝐝𝐫𝐮𝐠𝐚𝐝𝐚 𝐯𝐞𝐦 ❦Onde histórias criam vida. Descubra agora