Don St. John

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Em seus pesadelos ela sempre estava de joelhos, dobrada sobre o corpo do marido enquanto barrava em desespero, chorando copiosamente.

Era estranho vê-la de pé, talvez inconscientemente tivesse assumido que ela não era maior do que a imagem que tinha dela em seus sonhos, assim como nunca pensou que ela pudesse envelhecer ou sequer estar viva, depois de um tempo ele deixou de acreditar que ela vivia, era a forma que encontrava de explicar o porquê ela jamais havia ido busca-lo.

Sua mãe, ou aquela que deveria ser, era alta e elegante, dona de longos e ondulados fios negros que caiam como um véu denso por sobre seu ombro, enquanto seus olhos escuros e emoldurados por longos e espessos cílios o encaravam com avidez, um desespero e felicidade incomuns, Enzo diria até desejo.

Os lábios cheios e rosados se tencionaram quando ele a olhou da cabeça aos pés por um longo e tenso tempo. Era como ver um fantasma, um que o assombrou noite após noite por anos a fio.

- Lorenzo. - a voz branda o chamou com calor, uma espécie diferente daquele com que estava acostumado.

Definitivamente não era como as suplicas quentes e asquerosas de Lily, ou das outras, por mais que sua aparência se assemelhasse com as sicilianas, seu tom de voz era aquecido por um tipo diferente de desejo.

Estreitou os olhos inclinando levemente a cabeça ao correr o olhar pela brutal cicatriz na face, a única coisa real que a diferenciava das sicilianas. Afinal, as mulheres que caminhavam entre os corredores do submundo eram perfeitas, fisicamente. Não haviam marcas em sua pele, nenhuma que revelasse que eram humanas e não bonecas de porcelana.

- Eu... nunca pensei que veria você assim... tão crescido. - Continuou um sorriso afetado iluminando seu rosto quando as mãos foram ao peito e seus olhos se encheram com lagrimas de pura alegria.

Enzo arqueou as sobrancelhas assistindo a mulher dar um passo para frente forçando ele a recuar, para manter aquela distância entre eles o que fez o sorriso dela vacilar por um breve instante. - Lorenzo, sabe quem sou. Não é? - a pergunta soou amedrontada, como se temesse a reposta diante a indiferença e confusão dele.

Não respondeu, não de uma forma verbal apenas piscou lentamente, os olhos fixos no rosto familiar, mesmo que em uma versão mais velha, ainda era ela, e ele mal podia digerir o fato de estar de frente para a mulher que o traiu primeiro.

Ela se moveu desconfortável diante seu silencio, um suspiro pesado deixando seus lábios e ecoando por toda sala quando entendimento atingiu seus olhos e ela baixou a cabeça levando os dedos ao rosto tocando delicadamente a superfície deformada da cicatriz.

Quando ergueu novamente o rosto para ele, seus olhos carregavam pesar, dor intensa brilhando nas íris tão escuras quanto as dele próprio.

- Eu deveria ter imaginado. - Murmurou engolindo então puxou o ar lentamente e enzo acompanhou o movimento dos seus ombros quando os olhos dela se ergueram para o teto. - Por mais que tudo o que eu queira agora, seja olhar para você, posso me virar ou não sei... qualquer coisa se te deixar mais confortável. - disse puxando o cabelo para a frente na vã tentativa de esconder a marca, como se algo daquela magnitude pudesse ser encoberta de qualquer forma, logo ela percebeu que por mais denso que fosse seu cabelo, era inútil tentar e outro suspiro deixou seus lábios. - Giuseppe tem um senso de humor cruel, sei que não é bonito.

- Cicatrizes não me incomodam. - Disse com certo humor diante a suposição ridícula.

Como poderia incomoda-lo quando seu próprio corpo era repleto delas? Seu próprio rosto carregava marcas mesmo que não tão brutais quanto aquela em seu tronco, mas ainda sim eram cicatrizes.

Uma espécie de alivio brilhou nos olhos dela quando voltou a encara-lo como se fosse uma dadiva descobrir que ele podia falar.

- Pensei que...

UMA EM UM MILHÃO - LIVRO 1: CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora