Capítulo 1

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LUIZ MIGUEL SAMPAIO FERRAZ

Como São Luís do Maranhão é quente.

Nas duas semanas que estou nessa cidade, volto para o hotel onde estou hospedado, sonhando com um banho gelado. Vejo a água caindo sobre meu corpo nu, levando embora essa sensação de estar suado e cheirando mal o tempo todo.

Os funcionários da empresa dizem que é por causa da umidade do ar, característica deste estado e acho que eles estão certos, é realmente uma cidade muito quente, diferente do Sudeste onde resido. Pelo que vi nessas duas semanas, os dois meses que passarei aqui serão longos, suados e extenuantes.

Sei que não tenho muita escolha, ser sócio da empresa tem seus ônus e mesmo que eu não goste muito quando tenho que sair de São Paulo, sei que sou o melhor na área de T.l. e o responsável por manter o sistema operando perfeitamente no Brasil todo. Além do mais, o pedido feito direto por Stevie não é algo ignorável.

Ele é o meu herói, sem modéstia alguma.

Afirmo isso porque minha vida mudou da água para o vinho quando o conheci, e não foi exatamente por escolha minha e muito menos por merecimento, apesar de achar nos dias de hoje, que eu merecia o que me aconteceu no passado. Não nasci em uma família de posses e nem tive um estudo qualificado desde o início da vida, mas acredito que estava na hora e no lugar certo quando a sorte bateu em minha porta, se é que posso chamar assim o ocorrido daquele dia. Sempre fui curioso com relação a computadores, a tecnologia, ao sistema inteligente por trás dos avanços do mundo. Ainda criança, tudo que pegava nas mãos, queria saber o que existia dentro do que via, talvez até por influência de meu pai, que trabalhava com conserto de eletrodomésticos em Itaim Bibi, onde morávamos. Aos treze anos, eu já sabia montar e desmontar um aparelho eletrônico, montava computadores com peças usadas da loja dele e me aventurava a programar sistemas com livros que eu pegava na biblioteca, criando meus próprios jogos. Eram simples, mas o suficiente para ser considerado um gênio na minha família e na escola do bairro onde estudava. Eu sabia que tudo era muito pequeno, diante do que o mundo tinha a oferecer, mas para mim, o que eu fazia era o máximo, porque ninguém ao meu redor tinha esse potencial. Esse era um mundo em que eu não precisava socializar tanto com as pessoas e eu me sentia bem quando estava as voltas com os meus programas e suas máquinas.

Com o tempo, essa posição dita superior, me agregou soberba e passei a não mais obedecer às regras sociais. Hoje entendo que devia ter algum desvio de comportamento para agir assim. Passei a ser o rebelde, o encrenqueiro, gostava de brincar com as garotas, e meus amigos eram os piores da escola. Agora, com vinte e sete anos, entendo que ao me considerar melhor que os outros, acabei indo por um caminho muito perigoso e se não fosse por Stevie, talvez estaria usando meus conhecimentos do lado errado da sociedade ou quiçá, atrás das grades.

Considero Stevie ainda mais importante que meu pai, porque ele é o homem que me ensina todos os dias a ser melhor do que fui dia anterior. Ele não me julgou, como todos faziam quando me pegavam fazendo algo errado. Stevie descobriu que eu estava invadindo o sistema da sua empresa de tecnologia, uma empresa multinacional, cheia de travas para acesso. Eu estava com dezessete anos na época e esse era o marco mais importante da minha vida, era o topo conseguir acessar um sistema tão fechado e cheio de proteção. Foi essa proeza que me fez estar aonde estou hoje. Ele podia ter batido na porta de casa com a polícia e acabado com a minha vida e da minha família.

Não o fez...

Ele bateu nela, porém, chegou totalmente desarmado. Se apresentou e eu sabia quem ele era. Me chamou para uma conversa, dizendo que tinha uma proposta de emprego para mim. Eu estava todo ressabiado, tentando entender porque esse homem poderoso queria ter essa conversa comigo educadamente, mas entendi claramente quando ele colocou sobre a mesa da lanchonete perto de casa, as provas do meu delito na invasão do seu sistema. Ele tinha rastreado o meu computador. Senti o sangue esvaindo do meu corpo, subiu um calafrio absurdo e eu sabia que estava nas mãos dele. Suas palavras ecoam na minha cabeça até hoje, quando penso no assunto.

DANDARA - UMA HISTÓRIAOnde histórias criam vida. Descubra agora