capítulo 1

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                                                                  Muito prazer, querida...

       Caminhando lentamente pelo corredor frio do hospital, o cheiro de remédio e álcool me incomoda um pouco, mas nem tanto como antes. Cumprimento uma senhora de idade que passa por mim e sorri, às vezes penso que ela é tão meiga e em outras, penso que ela é muito brava, como quando ela bateu no doutor por chamá-la de velha. Suspiro cansada e paro de andar, olho para a janela do hospital, observando a paisagem do lado de fora, o céu acinzentado com a possibilidade de chuva, o cheiro de Terra molhada pelo temporal de ontem, as aves procurando um lugar para se esconder.

Saio de meus devaneios e volto a caminhar. O médico que cuida do meu caso se chama Arthur, e por mais que ele tente me animar dizendo que logo terei um transplante de coração, eu somente solto um meio sorriso e saio andando. Ele sempre fica bravo, mas diz que isso é meu charme. Se ele soubesse oque a esposa dele acha disso, ele pediria demissão.

Aumento meus passos e entro em sua sala no final do corredor e, como sempre, ele está com seu típico sorriso de malandro. Ele sabe que isso me irrita e, mesmo assim, faz. Me sento em sua frente e finjo um sorriso.

— Até quando vai me olhar assim, doutor? — Ele ajeitou sua postura na cadeira e suspirou cansado.

— Quando você me olhar com um sorriso de verdade, eu paro! — Reviro meus olhos e cruzo meus braços, suspirando de impaciência.

— Qual é a de hoje para me chamar assim do nada? Sabe que Dona Maria acha disso, né? — Vejo ele se arrepiar e olhar para os lados como se a procurasse.

— Não diga isso, ela sempre aparece quando toca no nome dela, acho até que acontece uma invocação... — Não consigo segurar o riso dando uma gargalhada, Dona Maria é uma mulher de 57 anos e apesar de ter certa idade ela é uma mulher bonita e jovial, já o doutor Arthur ele tem 60 anos, apesar de ser brincalhão e mulherengo ele nunca traiu ou trairia sua mulher.

Pelo que sei ambos se apaixonaram na faculdade, ele cursando medicina e ela em arquitetura, apesar de se odiarem no começo ele a conquistou com seu jeito brincalhão. Maria sempre foi do tipo séria e orgulhosa e mesmo odiando o jeito mulherengo do Arthur, ela sabe que o amor dele é genuíno e belo, e o mesmo serve para ela.

Suspiro limpando uma lágrima que caiu e deito minha cabeça na mesa tentando me acalmar — Você sabe muito bem que não posso sofrer alteração de humor, e está aí me fazendo rir... — Arthur sorri convencido.

— Esse é meu talento, querida! — sorri entristecida.

— Tenho certeza que minha mãe teria rido conosco e depois te batido por não pensar na minha situação!

Saudades, tristeza, amor, dor, tudo e um pouco mais quando penso na minha mãe. Seu cheiro de lavanda continua impregnado na minha casa e especialmente em seu quarto.

Apesar de odiar o cheiro agora, antes era como um remédio para meus pesadelos. Arthur comenta várias vezes sobre como sou chata e impaciente, falando que meu coração está estabilizado e não tem nenhuma alteração e posso rir ou chorar, mas sei que é mentira devido ao seu olhar preocupado.

Apesar de estar 50% boa, os outros 50 ainda são preocupantes e o motivo de saber disso é que, apesar de poder andar ou correr, dores agudas no peito quando estou dormindo ou até mesmo quando respiro me deixam em alerta. A qualquer momento posso morrer e Arthur sabe disso.

Arthur falou algo sobre um voluntário que precisa de ajuda para aprender a cuidar da mãe.

Não presto muita atenção no assunto, mas ele quer que eu auxilie o garoto a se enturmar no hospital e ensine algumas coisas básicas de como ajudar uma pessoa com câncer no coração. Olho seriamente para Arthur e suspiro cansada, mesmo que eu recuse ele não vai me deixar ir facilmente e muito menos recusar — Tá já entendi, prepara a papelada e eu assino... — Arthur abre sua gaveta da mesa e me entrega uma pasta, olho para ele com uma sobrancelha arqueada e sorriu debochada.

Entre as EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora