Capítulo 06

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Gustav, conduzindo Isabel com um sorriso aparentemente genuíno, abriu a porta da sala de jantar. O calor da luz dourada iluminou o ambiente, revelando os patriarcas Ferdinand Müller e Gonçalo Corrêa, sentados à mesa. Ferdinand notou imediatamente a alegria excessiva do filho, enquanto Gonçalo, apesar de sua expressão séria, esboçou um sorriso ao ver a pontualidade do casal.

Isabel, com graciosidade estudada, adentrou a sala, disfarçando suas verdadeiras emoções sob um semblante radiante. Seus olhos, porém, denunciavam a falsidade por trás daquele sorriso. O ambiente tornou-se carregado de uma expectativa tensa, criando uma atmosfera onde as aparências e as verdadeiras intenções se entrelaçavam sutilmente.

A mesa de jantar exibia uma imponência refinada, com toalhas de linho branco imaculado que caíam graciosamente sobre os lados polidos. Isabel, observadora meticulosa, notava cada detalhe como se decifrasse um enigma. A luz suave das velas destacava a prataria reluzente e a porcelana delicada.

Os talheres alinhados simetricamente pareciam um desafio, mas Isabel manejava-os com destreza. A presença de utensílios específicos para cada prato indicava uma refeição prolongada, e ela não conseguia deixar de notar o contraste entre a pompa da mesa e a desconhecida presença de Gustav.

Ao percorrer o cardápio, Isabel demonstrava seu refinamento culinário, sinalizando sua preferência por pratos exóticos e finamente elaborados. Entretanto, a escolha meticulosa dos alimentos revelava não apenas seus gostos sofisticados, mas também um desafio velado, como se testasse a capacidade de Gustav de acompanhá-la nesse intricado banquete social.

Os vinhos eram analisados com olhos perspicazes, e o paladar aguçado de Isabel não se contentava com menos do que a melhor safra. Era como se cada escolha naquele cardápio fosse uma jogada estratégica, uma extensão do jogo que ela tão habilmente conduzia, e a mesa, com seus talheres alinhados e cardápio refinado, representava o campo de batalha no qual os dois jogadores teriam que se confrontar:

— O almoço está do agrado de vocês? – Perguntou Gustav se importando mais com a opinião de Isabel do que a do pai da menina.

Ferdinand Müller, sentado à mesa imponente, lançou um olhar crítico sobre o refinado cenário que se desenrolava diante dele. Seus olhos experientes, acostumados aos meandros dos negócios e intrigas sociais, captaram não apenas a beleza estonteante de Isabel, mas também a ousadia habilmente costurada em cada centímetro de seu vestuário.

Enquanto o aroma de uma refeição requintada pairava no ar, Ferdinand não podia deixar de notar a aura desafiadora que emanava da filha de Gonçalo. As vestimentas provocativas de Isabel não eram apenas uma expressão de sua exuberância juvenil, mas uma estratégia calculada para atrair olhares discretos e, ao mesmo tempo, desafiar as convenções sociais.

A risada interna de Isabel ecoava enquanto percebia os efeitos de sua ousadia. Ela conseguira, de uma só vez, desafiar o próprio pai, atordoar Gustav e, como um bônus inesperado, fisgar a atenção de Ferdinand. Mesmo diante da firmeza do homem, que demonstrava controle e resistência, Isabel sabia que seu jogo estava sendo jogado com maestria, e cada movimento calculado era uma peça no tabuleiro que ela dominava com destreza:

— Está sim, Gustav, obrigada por isso senhores!

Gonçalo Corrêa mal conseguia esconder a ansiedade que tomava conta dele. Os olhos fixos em Ferdinand Müller buscavam qualquer sinal de aprovação ou reação à notícia que estava prestes a ser revelada. Enquanto isso, Ferdinand, com olhares sérios e expressão impenetrável, transmitia a Gustav a responsabilidade de comunicar a decisão que já havia sido sutilmente indicada minutos antes.

Gustav, por sua vez, sentia o peso das expectativas sobre seus ombros. Trocava olhares com seu pai, tentando decifrar as entrelinhas da conversa silenciosa que ocorria entre eles. A revelação da união entre ele e Isabel estava prestes a ser anunciada, mas o suspense prolongado criava uma atmosfera de tensão.

Isabel, atenta a cada movimento, aguardava ansiosamente a formalização da notícia que parecia se desenrolar lentamente. Cada segundo que se estendia era como uma eternidade, e ela se via presa na expectativa, ansiosa para que o anúncio finalmente acontecesse:

— Eu peço permissão para o senhor Gonçalo. – Pediu Gustav finalmente satisfazendo os ansiosos. — Para que eu possa pedir a mão de sua filha em casamento.
Gonçalo e Ferdinand reagiram de maneira positiva ao pedido de casamento feito por Gustav. Um sorriso satisfeito e expressões de aprovação preencheram seus rostos, indicando que a aliança entre as duas famílias estava oficialmente selada. Era o desfecho desejado pelos patriarcas, ansiosos por consolidar os laços que uniriam os Corrêa e os Müller.

No entanto, internamente, Isabel estava abalada. A realização do seu plano de ter Gustav sob seu controle trouxe consigo uma consequência inesperada. A perspectiva de se casar e, assim, trocar o controle de seu pai por outro homem, mesmo sendo Gustav, gerava uma sensação de prisão que ela não previa. Seu desejo por poder e liberdade estava sendo desafiado por uma realidade que ela não estava disposta a aceitar totalmente. A ironia da situação não passava despercebida por Isabel, que se via envolvida em um jogo complexo de poder e escolhas:

— Isso é um pedido audacioso, mas esperado! – Respondeu Gonçalo. — Vi que ficaram próximos rapidamente.
— Pois eu não esperava que isso estava sendo planejado. – Mentiu Isabel. — Nos conhecemos a pouco tempo, não sabemos nada um do outro.
Isabel refletia sobre o adiantamento do assunto que Gustav lhe deu mais cedo e pensava como a ideia de união conjugal entre ela e o austríaco havia se materializado. Era um intricado jogo de manipulação, estratégias e desejos ocultos que os levou até aquele ponto. Recordava os momentos de sedução, os olhares trocados e os gestos calculados que pavimentaram o caminho para a proposta de casamento.

Aquilo não era apenas uma decisão impulsiva de Gustav; era o resultado de uma dança complexa na qual Isabel manipulou as peças conforme sua vontade, mas isso contribuiu para tamanha proposta que Ferdinand havia feito a Gonçalo. Cada palavra sussurrada, cada toque calculado, tudo contribuiu para criar a ilusão de uma conexão profunda entre eles. A união conjugal, que inicialmente parecia apenas uma ideia lançada ao vento, agora se mostrava como um fruto amadurecido da trama que Isabel tecera, a moça fez seu próprio jogo que o destino entrelaçou com os planos dos Müller e isso a fez se sentir usada, mesmo indiretamente.

Em meio às reflexões, a jovem ambiciosa começava a compreender o poder que exercia sobre Gustav e a oportunidade que tinha diante de si. No entanto, ao mesmo tempo, percebia as complexidades e desafios que viriam com essa união, desafios que ela não poderia subestimar. O jogo, agora, entrava em uma nova fase, e Isabel estava determinada a jogar com maestria, mesmo que isso significasse se desviar dos caminhos inicialmente traçados:

— Acalme-se. – Pediu Gustav verdadeiramente apaixonado e agarrando aquela oportunidade entre as duas famílias. — Seremos marido e mulher apenas em sociedade, no mais, será livre para fazer sua vontade. Essa será uma de minhas condições, pai.
— E estou de acordo! – Respondeu Ferdinand.
— Sendo assim, eu estou de acordo também, embora isso tenha mudado minha vida em segundos. Terei de ser uma mulher agora e não uma menina.
— E será. – Respondeu Gustav.
— Aproveitando que agora estamos em família, não é mesmo? Quero dar uma notícia que daria apenas para Isabel.
— E o que seria, Gonçalo? – Perguntou Ferdinand.
— Alda Amaral irá passar um tempo aqui em Vale Verde!
— Perdoe-me se eu estiver enganado, é a modista brasileira que atualmente mora em Paris? – Perguntou Gustav surpreendendo Isabel pelo conhecimento.
— Isso mesmo!
— É sua amiga? – Perguntou Ferdinand prestes a obter a resposta.
A revelação da volta de Alda pairava como uma sombra na atmosfera da mesa de jantar. O fino cristal das taças, antes refletindo a luz suave das velas, agora parecia ecoar a tensão que se instalara no recinto. Isabel, teve uma reação visceral. Seu corpo, por um instante, pareceu congelar diante da notícia, antes de se erguer abruptamente, rompendo com a formalidade da refeição.

Os Müller, observadores atentos, trocaram olhares silenciosos enquanto a herdeira dos Corrêa se afastava, criando um vácuo de perplexidade. Gonçalo, o patriarca, esforçava-se para manter a compostura diante dos convidados, mas seu semblante traía uma preocupação latente.

Enquanto a tensão se espalhava, Gustav, ciente da inquietação de Isabel, decidiu agir. Levantando-se com determinação, seguiu os passos da mulher, deixando para trás o cenário repleto de louças finas e olhares curiosos.

No corredor, Gustav alcançou Isabel, cujo rosto agora era um misto de emoções difíceis de decifrar. Tentando quebrar o gelo, ele expressou sua preocupação, oferecendo um ombro amigo para compartilhar os fardos que o retorno de Alda trazia consigo. Cada gesto, cada palavra, refletia a complexidade da situação, deixando no ar a incerteza de como o destino dessas famílias intricadas se desdobraria diante da volta de um elemento há muito ausente:

— O que houve Isabel? Quem é está mulher para você?
— Alda Amaral é minha madrasta e eu odeio ela, é uma mulher muito ordinária e pensei que essa senhora fosse morrer na França para nunca mais voltar.

As palavras de Isabel eram como fagulhas de raiva, ardentes e incandescentes, ecoando pelo corredor da mansão. Cada frase era uma investida, uma manifestação da sua indignação diante do retorno de Alda, uma figura que ela preferiria manter enterrada no passado.

Gustav, tentando aplacar o fogo que consumia a mulher que amava, avançou com gestos de compreensão. Seus braços buscavam envolver Isabel em um abraço, uma tentativa de oferecer conforto em meio à tempestade emocional que se desencadeava. No entanto, ela resistia, recusando qualquer gesto de consolo.

A tensão entre eles se materializava na negação das tentativas de Gustav. Cada recusa era um muro erguido pela raiva, uma barreira que separava o casal naquele momento de conflito. Isabel, imersa em suas emoções intensas, continuava a esbravejar, suas palavras eram como trovões, ecoando pela mansão e reverberando a tormenta que se desenhava no horizonte da trama familiar.

Em meio ao vendaval de palavras, Isabel, mesmo envolvida pela fúria, começou a perceber que havia ultrapassado os limites. Um lampejo de consciência atravessou a cortina de raiva, fazendo-a vislumbrar o estrago que suas palavras estavam causando. A expressão de Gustav, antes marcada pela compreensão e amor, agora refletia uma confusão profunda, como se não reconhecesse a mulher diante dele, imersa em uma tempestade de emoções.

A realização do impacto de suas palavras trouxe um instante de hesitação a Isabel. Ela viu nos olhos de Gustav a perplexidade e a dor da incompreensão diante da mudança abrupta em sua postura. Em meio ao silêncio tenso que se seguiu, Isabel começou a processar as próprias emoções, questionando até que ponto suas ações eram justificadas ou se tornavam apenas impulsos de uma raiva mal direcionada:

— Me perdoe Gustav.
— Tudo bem, a imagem que eu tinha de Alda Amaral mudou completamente.
— Preciso ir embora, avise nossos pais por favor, mas primeiro, indique a porta dos fundos, não quero me encontrar com nenhum deles agora e dê minhas desculpas ao seu pai.

No obscuro limiar dos fundos da imponente mansão, Gustav e Isabel enfrentam um momento de despedida impregnado de tensão e incerteza. Os contornos de seus rostos revelam a complexidade dos sentimentos que envolvem essa separação.

O vento sussurra entre as árvores circundantes, como se carregasse consigo os ecos das palavras intensas trocadas no corredor. Seus semblantes refletem a turbulência emocional que a decisão dela trouxe ao ambiente.

O suave farfalhar das folhas contribuem para a atmosfera carregada de dramaticidade. A luz do sol cria sombras dançantes, conferindo à cena um aspecto quase surreal. Isabel, imersa em sua raiva, mantém uma postura firme, enquanto Gustav parece estar à mercê das reviravoltas inesperadas que o jantar lhes impôs.

Ao fundo, a majestosa mansão dos Müller ergue-se como uma testemunha silenciosa desse capítulo tumultuado. A porta dos fundos, por onde Isabel escolheu partir, simboliza não apenas um caminho físico, mas também um divisor de águas nas intricadas relações que envolvem as duas famílias.

Nesse instante, o universo ao redor parece refletir o caos emocional que permeia o enredo. A despedida na penumbra dos fundos da casa transcende o espaço físico, deixando no ar uma sensação de que algo irrevogável se desenrolou, alterando o curso dos destinos entrelaçados de Isabel e Gustav.

Ao voltar à imponente mansão dos Müller, Gustav se depara com a suntuosa sala de estar, onde apenas seu pai, Ferdinand, permanece. A ausência de Gonçalo Corrêa é evidente, deixando um silêncio carregado de desconforto pairando no ambiente. A luz suave dos candelabros ilumina a grandiosa sala, revelando os detalhes refinados da decoração clássica.

Gustav, ainda impactado pela cena explosiva de Isabel, observa seu pai com uma expressão séria e pensativa. Ferdinand, por sua vez, parece imerso em seus próprios pensamentos, enquanto o eco das palavras acaloradas de Isabel ressoa na atmosfera.

A mobília luxuosa, os quadros ornamentados e a tapeçaria finamente trabalhada criam uma atmosfera de opulência, contrastando com a tensão emocional que paira no ar. O crepitar suave da lareira acrescenta um toque de calor à sala, mas não é suficiente para dissipar a frieza que se instalou após a abrupta partida de Gonçalo e sua filha.

Gustav, tentando processar os eventos recentes, decide não buscar mais explicações naquele momento. Seu pai, por sua vez, mantém uma postura reservada, refletindo sobre as consequências do repentino desdobramento. A sala de estar, habitualmente repleta de conversas e risos, agora se encontra envolta em um silêncio pesado, marcando o início de uma reviravolta imprevisível na trama envolvendo os Corrêa e os Müller.


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