2018

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Natasha

Se fechasse os olhos, conseguia me imaginar, criança, patinando no lago próximo ao orfanato, cheia de sangue no rosto, depois de mais uma surra.

Mas agora eu não era mais uma criança e não estava no orfanato.

Eu estava nas Olimpíadas.

Naquela época, o frio congelava o sangue, o vento cortava como facas.

Mas era uma dor boa. Me lembrava de que ainda estava viva.

O médico sul-coreano tirou a agulha do meu braço, cobrindo-o com um algodão. Eu segurei, e ele se afastou com os vidros de sangue. Fui até o banheiro, e fiz xixi no potinho na frente de uma enfermeira. Entreguei a ela.

Depois de dois mil exames, ressonância magnética, raio-x, eletrograma, ultrassom, não sei mais o que, eu me sentei exausta de frente para o médico.

  - Entenda que qualquer mentira em suas respostas ocasionará uma anulação da sua participação nessas Olimpíadas.

Concordei. Ele fez milhares de perguntas.

  - Vejo um histórico de epilepsia. Confirma que não tem nenhum episódio de epilepsia tônico-clônica em dois anos?

  - Sim.

Menti.

Depois de mais mil perguntas, ele me liberou. Olhei para Melinda. Ela deu um leve sorriso, e eu fui me trocar. Andamos nós duas pelas ruas cobertas de neve de Pyeongchang, em silêncio.

  - Dizem que a vida é uma oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir.

Olhei para Melinda.

  - Está citando Schopenhauer pra mim?

  - Você se sente assim?

Neguei.

  - Você se sentiu, depois das suas Olimpíadas?

  - Ah, sim. Depois que ganhei Ouro, ficou um vazio. Um tédio. Eu já era a melhor, e agora? O que mais tinha do mundo?

Eu olhei para ela de sobrancelhas franzidas. Melina suspirou.

  - Eu me arrependi. De ter dito para você se livrar dele. Yelena acabou de me mandar. Olhe seu instagram.

E saiu andando.

Senti um buraco no estômago.

Abri o Instagram. A primeira publicação era o que ela falava, eu tinha certeza.

Steve não postava muita coisa. Na verdade, tinha meses que não postava nada, apenas essa foto, de cinco minutos atrás.

"USA boys"

Steve, em um uniforme branco com as cores dos Estados Unidos, junto com um time grande que provavelmente era o de hockey. E a localização em PyeongChang.

Abaixei o celular.

Encarei a neve, absorvendo o choque e aquela sensação ruim no estômago.

Não. Não, não.

Continuei andando, até alcançar Melina.

  - Não. Sem distrações.

  - Natasha.

  - Eu não o dispensei porque você mandou. Eu o dispensei porque não vou deixar nada nem ninguém de me impedir de conseguir o que eu quero.

 Eu o dispensei porque não vou deixar nada nem ninguém de me impedir de conseguir o que eu quero

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Cold As Ice - Romanogers shortficOnde histórias criam vida. Descubra agora